A drástica política de austeridade do presidente Javier Milei, que impactou duramente o setor cultural, levou a Argentina a "uma situação extrema", avaliou, nesta quarta-feira (25), em entrevista à AFP, a cineasta Lola Arias, que apresentou um musical sui generis em San Sebastián.

"É uma situação extrema como nunca vivemos (...), não só para o cinema, mas para a sobrevivência de um monte de pessoas na Argentina, que são empurradas por este Governo a viver abaixo do limite da pobreza", ressaltou Arias.

"Tem sido muito brutal porque o Governo de Milei (...) foi destruindo tudo, destruindo todas as políticas públicas em relação às universidades públicas, desfinanciando os hospitais públicos e desfinanciando a cultura", prosseguiu a diretora.

Em um contexto de grave crise econômica, Milei assumiu a Presidência em dezembro com o objetivo de cortar gastos drasticamente.

Para o cinema, o golpe impactou o instituto que o fomenta, o INCAA, com um corte que se traduziu na suspensão de programas de apoio e na demissão de funcionários, o que virtualmente o deixou paralisado.

A situação é muito criticada por representantes da indústria cinematográfica, tanto dentro do país quanto no exterior, como no Festival de Cannes, em maio, e no de San Sebastián, esta semana.

Arias participou na terça-feira de um ato em solidariedade ao cinema argentino no Kursaal, sede principal do evento nesta cidade do norte da Espanha, onde vários diretores argentinos alertaram para o perigo de que o número de filmes feitos na Argentina despenque.

Trata-se de "uma situação realmente inédita, que se destrua tudo o que pode produzir uma imagem do país, um futuro para um monte de artistas e também uma indústria porque realmente o cinema argentino dá trabalho para um monte de pessoas", ressaltou Arias na entrevista.

- A música como resistência -

Arias, que também é dramaturga, apresentou em San Sebastián seu segundo longa-metragem, "Reas" (Rés, em tradução livre), que disputa o prêmio de melhor filme latino-americano na mostra Horizontes.

O projeto nasceu durante um curso de cinema e teatro que ela ofereceu na prisão feminina de Ezeiza, em 2019, onde conheceu Yoseli Arias, que acabaria sendo a protagonista.

Veio a pandemia de covid e com ela a impossibilidade de visitar a prisão, razão pela qual Arias começou "a oferecer oficinas para pessoas que já tinham deixado a prisão, e ao longo destes anos, foi se formando o grupo" de 14 mulheres que completaram o elenco do filme.

A fita, que conta a vida em uma prisão feminina, é uma mistura peculiar de drama musical e ficção documental, pois as histórias contadas pelas ex-detentas, que usam seus nomes reais, são verdadeiras.

A ideia de incluir partes musicais veio do fato de que duas pessoas, "Estefy e Nacho, que era um rapaz trans, tinham uma banda de rock na prisão que se chamava 'Sin Control' [Sem controle] e faziam shows", explicou Arias.

"Comecei a ver através deles e de sua banda que a música é uma ferramenta de resistência dentro da prisão e que a música é, de alguma forma, o que gera coesão", assinalou.

- Sem perfeição, mas com glamour -

Diferentemente dos musicais tradicionais, que retratam os "mundos marginais de uma forma romântica", aqui, as ex-detentas "contam e reconstroem sua história, e dançam e cantam, talvez não com a perfeição de um bailarino profissional, mas com muito glamour e beleza", disse.

Para estar no filme, as mulheres, que em muitos casos não conseguiam emprego, nem tinham acesso à Previdência Social, foram contratadas, o que representou "uma mudança de vida muito grande", detalhou.

Agora, as mulheres também participam de uma peça de teatro de Arias, "Los días afuera" (Os dias do lado de fora), sobre a vida em liberdade, que atualmente está em turnê pela Europa.

Para Arias também foi muito especial que as mulheres pudessem viajar para San Sebastián para apresentar o filme, uma obra que "impactou suas vidas e lhes deu uma esperança, uma visão para o futuro".

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