A próxima presidente do México, Claudia Sheinbaum, receberá uma economia tocada pela incerteza, já que um plano de reforma agressivo do presidente em final de mandato, Andrés Manuel López Obrador, ameaça limitar o crescimento do país. 

Ao mesmo tempo, a relação com os Estados Unidos e a Espanha, seus maiores parceiros comerciais, esfria. 

Em junho, Sheinbaum tornou-se a primeira presidente eleita na história mexicana com uma vitória eleitoral retumbante, em um clima econômico positivo: moeda fortalecida, investimento estrangeiro sólido e o sucesso do seu antecessor na redução da pobreza. 

Sua vitória também deu maioria absoluta ao partido no poder no Congresso bicameral, onde pode agora modificar a Constituição sem negociar com a oposição. 

Sua primeira votação autorizou uma reforma judicial drástica que estabeleceu a eleição popular de todos os juízes, um caso único no mundo que preocupa os mercados. 

Outras iniciativas, como o extinção de agências reguladoras independentes, aguardam sua vez. 

A reforma incomodou os Estados Unidos, principal parceiro do México através do T-MEC, o acordo de livre comércio na América do Norte que também inclui o Canadá. 

"Isso ameaça a relação (...) que construímos, que depende da confiança dos investidores no marco jurídico mexicano", afirmou embaixador dos EUA, Ken Salazar. 

"Há analistas que dizem que com isso [as reformas] o mandato de seis anos nasce morto. Não sei se chegamos a esse ponto, mas me parece que as possibilidades para a economia são muito menores", diz Jesús Carrillo, diretor de economia do centro de análise mexicano IMCO. 

Após as eleições, a moeda mexicana, termômetro das expectativas econômicas, caiu 13%. 

As mudanças que López Obrador deixa para Sheinbaum representam um choque semelhante ao cancelamento da construção de um aeroporto avaliado em 13 bilhões de dólares no início do seu mandato em 2018 (50 bilhões de reais na cotação da época). 

Tal decisão paralisou o investimento privado durante meses e exigiu o pagamento de indenizações milionárias, lembra Carrillo. 

- Imparcialidade -

Especialistas advertem que as mudanças constitucionais colidem com a regulamentação do T-MEC. 

Capítulos do T-MEC exigem "tratamento justo e equitativo" para resolver controvérsias judiciais, condição que pode ser violada se os juízes eleitos dependerem de partidos políticos ou grupos de interesse, acrescenta o IMCO. 

A primeira eleição de juízes e desembargadores da Suprema Corte, que López Obrador acusa de defender políticos corruptos e o crime organizado, está marcada para junho de 2025. 

A reforma que extingue as reguladoras de energia, telecomunicações e concorrência viola as obrigações do T-MEC e pode impedir os investimentos em infraestruturas. 

Este setor gerou muitos empregos durante o governo de López Obrador e, juntamente com vastos programas sociais e aumentos salariais históricos, permitiu que 8,9 milhões de mexicanos saíssem da pobreza. 

A extinção de "órgãos reguladores independentes (...) aumentaria a incerteza em torno de regras e procedimentos e tornaria o setor de infraestrutura do México menos atraente" para investimentos, disse a agência de classificação Moody's.

- Incertezas -

Uma economia enfraquecida pode impactar a cobrança de impostos em um momento difícil, uma vez que López Obrador aumentou a dívida no seu último ano de mandato e aumentou o déficit fiscal. 

A dívida em percentual do PIB aumentou este ano para 50,2%, de 46,8% em 2023, enquanto os juros que o México paga a seus credores aumentaram após as eleições de junho e ligaram alertas sobre sua classificação de crédito. 

Buscando conter as incertezas, o futuro secretário de Economia de Sheinbaum, Marcelo Ebrard, anunciou uma reunião com 45 grandes empresas americanas no dia 15 de outubro, na qual a presidente explicará "como funcionará a reforma judicial". 

"Vamos respeitar seus investimentos", disse Ebrard na semana passada. 

O Banco do México (central) prevê que a economia cresça 1,5% este ano, contra 3,2% em 2023.

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