Cerca de 500 cientistas e ativistas críticos da indústria agroquímica foram fichados em uma base de dados usada para "contrapor a oposição aos pesticidas", revelaram vários meios de comunicação nesta sexta-feira (27).
O meio investigativo Lighthouse Reports obteve documentos internos de uma plataforma privada chamada Bonus Eventus, que foram compartilhados com diversos veículos internacionais, incluindo Le Monde, na França, e The Guardian, no Reino Unido.
Por meio dessa plataforma, criada pela empresa de comunicação e negócios públicos v-Fluence, "altos executivos dos principais fabricantes de pesticidas e biotecnologias tiveram acesso, durante vários anos, a um grande arquivo de personalidades consideradas 'críticas' à agricultura intensiva, que utiliza massivamente insumos químicos e organismos geneticamente modificados (OGM)", explicou o jornal Le Monde.
Embora "não se saiba o alcance do uso, privado ou público, que pode ser feito dessas informações", "a natureza dos dados coletados deixa poucas dúvidas sobre a intenção de desacreditar os alvos ou desestabilizá-los, colocando à disposição dos membros da Bonus Eventus um arsenal de argumentos ou informações, por vezes sensíveis", destaca o Le Monde.
O presidente da v-Fluence e ex-diretor de comunicação do grupo Monsanto, Jay Byrne, declarou à AFP que "as alegações da ONG Lighthouse e de outros grupos com os quais colabora baseiam-se em afirmações manifestamente enganosas, erros factuais sobre nosso trabalho e nossos clientes, e mentiras inventadas".
Na resposta ao Lighthouse, compartilhada com a AFP, Byrne indica que as informações que a v-Fluence compartilha com seus clientes estão "publicamente disponíveis" e representam "todos os pontos de vista".
Segundo o Lighthouse Reports, a v-Fluence recebeu entre 2013 e 2019 "mais de 400 mil dólares" (R$ 2,1 milhões) do governo dos Estados Unidos — principalmente por meio da agência de desenvolvimento USAID — "como parte de seu programa de promoção de OGMs na África e na Ásia".
Byrne afirmou ao Lighthouse que a v-Fluence "não trabalha para a USAID" e "não tem contrato" com a organização.
A prática de coletar informações sobre críticos da indústria agroquímica lembra o escândalo dos arquivos de personalidades públicas, jornalistas e ativistas compilados pela empresa americana de agroquímicos Monsanto, com o objetivo de influenciar a opinião pública sobre a proibição do herbicida glifosato.
A Monsanto, adquirida pelo grupo alemão Bayer, foi multada em julho de 2021 em 400 mil euros pela CNIL, agência francesa de proteção de dados pessoais.
Segundo a CNIL, o arquivo continha, para cada uma das mais de 200 personalidades registradas, uma "nota de 1 a 5" para "avaliar sua influência, sua credibilidade e seu apoio à empresa Monsanto em diversos assuntos, como pesticidas ou organismos geneticamente modificados".
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