Mostrar os meandros da máfia siciliana foi o objetivo do filme "Iddu", apresentado nesta quinta-feira (5) na mostra competitiva do Festival de Veneza. O longa é inspirado na história do chefão Matteo Messina Denaro, morto em setembro de 2023 após ser preso, depois de três décadas foragido.

A longa fuga do chefe da máfia siciliana é "uma página sombria da história da Itália", afirmam os dois diretores sicilianos de "Iddu", Fabio Grassadonia e Antonio Piazza, em entrevista à AFP.

"Sua prisão foi muito difícil, já que, infelizmente, ele se beneficiou com segurança do apoio das figuras institucionais do nosso país", ressalta Elio Germano, o ator que interpreta o chefão da máfia, contemplado em 2010 com o Prêmio de Interpretação em Cannes por "Nossa Vida".

Matteo Messina Denaro foi condenado à prisão várias vezes à revelia por seu envolvimento no assassinato dos juízes antimáfia Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, em 1992, e em atentados mortais em Roma, Florença e Milão em 1993.

Ele desapareceu no verão de 1993 e passou os 30 anos seguintes fugindo, tornando-se o criminoso mais procurado da Itália. 

Foi sua decisão de se tratar de um câncer o que levou à sua prisão em 16 de janeiro de 2023, quando se dirigia a uma clínica em Palermo.

Embora a máfia seja um monstro de mil cabeças que envenena a sociedade italiana há décadas, a dupla de cineastas quis com este filme "entender as razões que tornaram possível esta longa fuga, que têm raízes muito profundas no sistema".

"Ao redor da máfia, do crime organizado, há bilhões de euros em faturamento que fazem a economia funcionar", denunciam.

- "Dimensão trágica" -

De seu esconderijo, o chefão continua administrando seus negócios, comunicando-se com sua família e colaboradores através do famoso sistema das "pizzini", mensagens escritas e levadas por mensageiros discretos, que supostamente deveriam ser queimadas após serem lidas para não deixar rastro.

Do outro lado aparece Catello, um político corrupto com ares tragicômicos, criado completamente para o filme e interpretado por Toni Servillo, o protagonista de "A Grande Beleza", de Paolo Sorrentino (2013).

Através destas "duas máscaras, queremos pôr diante do espelho essa parte da sociedade que se reflete neles" e "mostrar um certo tecido sócio-cultural italiano", explicam os diretores.

Destes personagens mafiosos, "às vezes emana um ridículo insensato, o que dá uma dimensão trágica a este fenômeno que tem a Sicília e toda a Itália em xeque", observa Toni Servillo.

"Iddu" ("Ele", em dialeto siciliano) é o terceiro filme centrado na máfia de Fabio Grassadonia e Antonio Piazza.

"Narramos este pântano no qual flutuamos", dizem os dois sicilianos que, apesar de tudo, se mantêm "confiantes" no desenlace da luta contra a máfia.

"Como nós há outras pessoas, em outros âmbitos, que tentam narrar, fazer perguntas, buscar respostas, porque ainda há muitas perguntas sem respostas ou respostas óbvias demais para serem verídicas".

Para Elio Germano, a persistência da máfia também se deve a que a Itália, unificada apenas no fim do século XIX, ainda não tem uma consciência coletiva de nação, mas segue sendo um país onde "os problemas são resolvidos de maneira individual em virtude da lei do mais forte".

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