Devia ser um símbolo mundial da proteção dos direitos da natureza, após uma inédita decisão judicial na Colômbia. Mas oito anos depois, o rio Atrato continua sofrendo com o garimpo ilegal, o conflito armado e a pobreza.
Na falta de boas rodovias, seus 750 quilômetros rompem o cerco da floresta e são a via principal de uma região historicamente marginalizada, de maioria afrodescendente (87%) e a mais pobre do país.
Este rio "com direitos" era até algumas décadas atrás um oásis para o calor implacável no oeste da Colômbia. Em 2016, a Corte Constitucional declarou seu leito, bacia e afluentes como uma "entidade viva" e "sujeito de direitos" à proteção e preservação.
Mas hoje suas águas transbordam mercúrio, usado para separar as partículas de ouro dos sedimentos.
Pouca vontade do Estado, "falta de interesse em (criar) políticas públicas" e corrupção são alguns entraves que impedem que a decisão saia do papel, explica Jorge Palacio, que foi o magistrado que deu a sentença.
A Colômbia enfrenta o desafio de resgatar o Atrato faltando pouco mais de um mês para sediar a COP16 sobre a biodiversidade.
A sentença também designou 14 guardiões, que são os representantes legais e a voz do rio.
Um deles não esconde a tristeza ao lembrar das águas cristalinas onde se banhava quando era criança.
"Nossos pais nos deixaram (...) um rio transparente, límpido, e hoje nós temos a obrigação de fazer o mesmo, e acho que estamos falhando", diz à AFP Ramón Cartagena, de 59 anos.
- "Direitos feridos" -
"Sentimos um sabor agridoce (...) O garimpo ilegal continua se expandindo todos os dias", acrescenta.
Os guardiões denunciam ameaças de morte no país mais perigoso do mundo para os defensores do meio ambiente.
"É um rio com direitos feridos e violados", resume a ambientalista Ligia Ortega, de 67 anos.
O Atrato brota de uma montanha a 3.900 metros de altitude. Ali, sua água é cristalina e potável, mas à medida que a corrente avança, vai revelando contaminação e outros problemas: desmatamento, pobreza, ausência do Estado e a guerra entre a guerrilha do ELN e o Clã do Golfo, o maior cartel de narcotráfico do país.
A implementação da sentença avança a "passos de tartaruga", afirma Cartagena.
À vista de todos, dragas gigantescas aspiram o leito do rio em busca de ouro. Quem navega por ali, evita olhar por medo.
"As pessoas têm medo de denunciar, todo mundo fica calado", lamenta Bernardino Mosquera, de 62 anos, outro guardião.
- "Nenhum" avanço -
Estudos acadêmicos demonstram que o mercúrio prejudica a saúde dos ribeirinhos.
"Onde há maior ingestão de peixe é onde há mais concentração de mercúrio" em humanos, observa José Marrugo, da Universidade de Córdoba.
Segundo o especialista, foram identificados moradores "em risco" e com "intoxicação crônica".
As dragas também reviram a terra e liberam "outros elementos metálicos que são tóxicos, como arsênio, chumbo e cádmio", acrescenta.
Arnold Rincón, diretor da autoridade ambiental local, afirma, no entanto, que o nível de mercúrio está "abaixo" do limite na água, mas não são feitos estudos em peixes. Ele assegura ter recuperado 34% dos hectares que estavam "degradados pela atividade mineradora" em 2016.
No mercado de Quibdó, capital do departamento de Chocó, os vendedores reclamam.
"As pessoas temem comprar peixe porque há muito mercúrio e tem gente que foi muito afetada", diz Narlin Córdoba, de 46 anos.
Segundo a Defensoria do Povo, após a sentença, "não se evidencia nenhum tipo de avanço que contribua para a conservação efetiva" do rio.
A Colômbia "é o maior emissor de mercúrio per capita do mundo, e o terceiro país que mais contamina com este mineral em todo o planeta", assegurou a Procuradoria, citando um relatório da ONU.
- "Nossa artéria" -
Os grupos armados extorquem os proprietários das dragas, que produzem "mais de 150 gramas de ouro diariamente" cada uma, explica o general de Infantaria da Marinha Wilson Martínez.
Só em 2024, os militares destruíram 334 máquinas de garimpo ilegal no Atrato.
O rio sinuoso e caudaloso avança até o mar do Caribe, perto da fronteira com o Panamá. O rio é fonte de alimento, transporte, comércio, tradição.
O Atrato "é como se fosse nossa artéria (...) Sem ele, não teríamos existência", diz a indígena embera Claudia Rondán, de 41 anos.
Perto da nascente, a mineradora canadense El Roble explora legalmente cobre, ouro e prata com um contrato vencido e em processo de prorrogação.
É questionada por ativistas que, no entanto, reconhecem seu papel de motor econômico na região há mais de 30 anos.
Consultada pela AFP, a empresa não se pronunciou.
A guardiã Rondán ainda tem esperança: "Sonho com um rio limpo, saudável (...) que volte à sua vazão".
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