Dominique Pelicot, julgado na França por drogar sua esposa para estuprá-la junto com dezenas de desconhecidos, afirmou que sofreu agressões sexuais quando criança, mas o impacto desse trauma em seus atos deve ser tratado com cautela, segundo os especialistas. 

Pelicot afirmou perante o tribunal de Avignon, que o julga por estuprar sua mulher junto com outros 50 acusados, que a agressão sexual que sofreu aos 9 anos e sua participação forçada em um estupro aos 14 anos influenciaram em sua "perversão". 

Dias depois, outro dos acusados, Jean-Pierre M., acabou relatando, com dificuldade, os estupros e abusos que sofreu sendo criança. Pelo menos dez acusados disseram durante a investigação que sofreram agressões sexuais em sua juventude. 

"Não existe uma relação de causa e efeito. Todas as crianças [vítimas] não acabam sendo vítimas ou agressores, mas isso aumenta a possibilidade de serem", declarou ante o tribunal o psiquiatra Laurent Layet. 

Do ponto de vista sociológico, a tese da reprodução da violência - quando a vítima se transforma em um agressor - não está provada e gera "debate", indica à AFP a especialista em agressões sexuais Véronique Le Goaziou. 

"Alguns estudos, a maioria das vezes sobre grupos pequenos, mostram uma maior prevalência", mas quando as amostras são maiores, "não se obtém" esses resultados, acrescenta a pesquisadora do Laboratório Mediterrâneo de Sociologia.

- Estratégia de defesa -

"No marco de um processo penal", "a dificuldade" reside em provar "a existência dessa violência" durante a infância, acrescenta Le Goaziou, destacando que "os agressores podem usar esse argumento como um meio de defesa". 

Para a psicóloga Joanna Smith, "na infância dos agressores sexuais se observam mais antecedentes de maus-tratos: sexual - três vezes mais que a população geral -, mas também psíquico - duas vezes mais - ou violência verbal - 13 vezes mais", entre outros. 

"Frequentemente, esses antecedentes se acumulam ou até mesmo se associam a circunstâncias difíceis no desenvolvimento: violência entre pais, transtornos psiquiátricos dos pais, etc", acrescenta essa especialista. 

"O número de antecedentes diferentes aumenta o fator de risco para cometer violência sexual", explica à AFP. 

Para o psiquiatra Guillaume de La Chapelle, que atende vítimas de agressões sexuais na infância, o "principal risco" é sofrer outras, inclusive na idade adulta, e "não se tornar agressores". 

"Uma vítima de agressão sexual pode desenvolver muitos problemas psíquicos. Alguns, especialmente entre os meninos, se tornam criminosos sexuais, mas isso segue sendo uma trajetória pouco comum, que depende sobretudo da construção da personalidade", acrescenta. 

- "Certa empatia" -

Por outro lado, "entre os grandes criminosos sexuais", se detecta "com frequência" que sofreram agressões sexuais, aponta o psiquiatra. 

"Tornar-se perverso é uma construção psicológica. Se a vítima não é detectada, não é atendida, sua experiência permanece em um canto de seu cérebro e evolui de forma independente. Como não falou, não foi tratada nem apoiada", acrescenta. 

"Essa não é uma circunstância atenuante e não justifica os atos cometidos. No entanto, pode ser uma estratégia de defesa: o advogado busca argumentos para atenuar a responsabilidade", diz a advogada Danielle Gobert, especialista em direito familiar. 

No entanto, para a advogada de Dominique Pelicot, Béatrice Zavarro, seu cliente não se esconde: "Em nenhum caso disse: 'Tenham pena de mim. Sofri isso, então você deve inevitavelmente me perdoar pelo que fiz a minha mulher'". 

Joanna Smith não descarta que as agressões sofridas durante a infância possam gerar "certa empatia" para o acusado, mas acredita que esse passado deveria "orientar" para a imposição de atenção psicológica obrigatória ao invés de "influenciar na sentença". 

Para os especialistas, um aspecto importante da prevenção da violência sexual é prevenir os maus-tratos infantis e ajudar os pais em dificuldades. 

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