Em meio ao cheiro de frutas apodrecidas em um mercado atacadista em Cochabamba, epicentro dos protestos em apoio a Evo Morales na Bolívia, Damaris Masías chora ao ver as 10 toneladas de tomates que trouxe em seu caminhão serem jogadas no lixo.

“Só Deus sabe com quantas lágrimas esse tomate veio”, diz à AFP a agricultora de 48 anos. Cachos inteiros de pimentão e feijão também estão apodrecendo no mesmo lugar.

Sua carga foi arruinada na viagem de 270 quilômetros da cidade de Omereque até a capital de Cochabamba, o departamento mais atingido por bloqueios de estradas por partidários do ex-presidente Morales, que está sendo investigado por um caso de estupro em 2016 que ele nega.

Era sua própria produção e a de seus vizinhos. O caminhão deveria fazer a mesma viagem em oito horas, mas por causa dos protestos, que pedem o “fim da perseguição judicial” contra Morales e a renúncia do presidente Luis Arce, as caixas chegaram em nove dias

“Há pessoas pobres lá, quanto sacrifício, quanto capital eles investiram? Tentei chegar lá, mas não foi possível vender”, acrescenta. 

Os protestos começaram em 14 de outubro. Desde então, os bloqueios aumentaram de quatro para 24, de acordo com as autoridades.

Mas, acima de tudo, eles punem Cochabamba, onde Morales tem sua base política e se protege de um possível mandado de prisão.

- Cidade atingida -

A quinze minutos do mercado fica o escritório de encomendas da companhia aérea estatal Boliviana de Aviação, onde uma fila de trezentos metros de comprimento de clientes aguarda sua vez de enviar pedidos e mercadorias.

“Estamos procurando pontes aéreas para que o produto não se estrague”, diz Christian Vrsalovic, um produtor de laticínios que agora paga cinco vezes mais pelo transporte para atender às remessas semanais para seus clientes.

Seus funcionários esperam sua vez de fazer a entrega a partir das três horas da manhã.

Devido aos bloqueios, Cochabamba perdeu até agora cerca de 20 milhões de dólares (quase 120 milhões de reais) somente no setor agrícola, de acordo com a Confederação Nacional da Agricultura da Bolívia (Confeagro).

“Cochabamba é o grande eixo articulador da economia. Por aqui passam todas as exportações da agroindústria de Santa Cruz (o departamento mais rico do país), que seguem para os portos de Arica (Chile) para gerar as tão necessárias divisas para o país”, explica Rolando Morales, vice-presidente da Confeagro.

Desde 2015, a Bolívia usa suas reservas em dólares para subsidiar a gasolina e o diesel importados. Os fundos estão se esgotando.

A crise foi agravada pelos bloqueios, que geram escassez de combustível e longas filas nos postos de gasolina, fazendo com que os preços da cesta básica subissem.

A inflação em setembro deste ano foi de 6,2% em relação ao ano anterior, a mais alta desde julho de 2014. Os protestos, que afetaram os consumidores, podem elevar ainda mais o valor em outubro.

- “Como está caro” -

Em um mercado em Cochabamba, Ana Luz Salazar, uma vendedora de 55 anos, enfileira os frangos que não conseguiu vender durante o dia.

Essa carne, explica ela, passou de US$ 2 para US$ 3,4 por quilo desde o início dos bloqueios, o que fez com que suas vendas caíssem “bastante”.

“Os clientes nos repreendem. Eles nos dizem 'como está caro'. Outros não compram e vão embora”, diz ela.

Nos arredores da cidade de 660.000 habitantes, em uma granja de aves de propriedade do empresário Iván Carreón, de 48 anos, os longos galpões parecem vazios.

“Há 15.000 poedeiras em gaiolas (ovos) que tivemos de vender antes do fim de seu ciclo fisiológico (...) para garantir a alimentação balanceada para os outros lotes que temos”, diz ele.

A soja e o milho que alimentam os frangos e galinhas em Cochabamba vêm de Santa Cruz, que tem suas principais vias de acesso bloqueadas por protestos.

No caso da carne vermelha, a situação é ainda mais preocupante. Rolando Morales, da Confeagro, adverte que, sem comida, os animais podem morrer em uma semana.

“Cochabamba, que costumava ser 'o celeiro da Bolívia', ficou (apenas) na manchete”, conclui Morales. 

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