A publicação, nesta terça-feira (29), de um primeiro relatório do Vaticano sobre a proteção de menores na Igreja mostra a importância dada pelo papa Francisco ao enfrentamento de crimes sexuais cometidos pelo clero, seu desafio mais doloroso.
Desde sua eleição em 2013, o jesuíta argentino sancionou prelados na hierarquia católica e tornou obrigatória a denúncia de qualquer suspeita de agressão sexual ou assédio. Mas seu trabalho foi prejudicado por vários escândalos e as vítimas exigem mais ações.
- Comissão criticada -
No final de 2014, Francisco criou uma comissão consultiva internacional de especialistas para a proteção de menores, composta por religiosos e leigos, a qual solicitou a elaboração deste relatório em 2022.
Esta estrutura foi duramente criticada e vários de seus membros renunciaram, incluindo o mais influente em 2023, o padre jesuíta alemão Hans Zollner, que denunciou uma "falta de clareza" e "informações insuficientes", bem como uma "comunicação vaga" sobre o processo de tomada de decisão.
- 2018, ponto de virada -
No início de 2018, a viagem de Francisco ao Chile, um país então indignado com o encobrimento de escândalos, foi um fracasso visto como um ponto de virada no pontificado.
Na ocasião, o pontífice defendeu um bispo chileno suspeito de ter ocultado os crimes de um padre e pediu provas às vítimas, antes de emitir um pedido pessoal de desculpas por seus comentários infelizes e enviar um investigador ao Chile.
O caso levou a exclusões e renúncias na Igreja chilena.
- Caso McCarrick -
Em agosto de 2018, o papa foi alvo de críticas sem precedentes por seu suposto silêncio sobre o comportamento do influente cardeal americano Theodore McCarrick.
Acusado de assédio sexual contra menores, o cardeal perdeu seu título antes de ser expulso por Francisco, uma punição praticamente inédita na história da Igreja.
Dois anos depois, o Vaticano publicou uma longa investigação sobre McCarrick, admitindo erros na cúpula, mas isentando Francisco.
- Cúpula sem precedentes em 2019 -
Em fevereiro de 2019, o papa convocou os presidentes de 114 conferências episcopais e líderes religiosos de todo o mundo ao Vaticano para uma cúpula de quatro dias sem precedentes sobre "a proteção de menores".
A reunião foi marcada por testemunhos chocantes de vítimas e fortes críticas aos encobrimentos da igreja.
Francisco prometeu então "uma luta em todos os níveis" contra "crimes abomináveis" e defendeu uma política de tolerância zero.
- Avanços legislativos -
No final de 2019, o papa suspendeu o sigilo pontifício sobre agressões sexuais a menores. Denúncias, testemunhos e documentos de julgamentos internos da Igreja agora podem ser entregues ao sistema de Justiça civil, embora não haja obrigação de fazê-lo.
As vítimas também podem ter acesso a seus arquivos e sentenças.
O pontífice argentino tornou obrigatória a denúncia de qualquer suspeita de agressão sexual ou assédio na Igreja e qualquer tentativa de ocultá-la.
Em 2021, a Igreja alterou sua lei de 1983 sobre sanções penais com um artigo explícito sobre crimes sexuais cometidos por padres contra menores e pessoas com deficiência.
Mas as vítimas continuaram lamentando que o clero não era obrigado a denunciar possíveis crimes à Justiça civil, a menos que fosse obrigado a fazê-lo pelas leis do país. O sigilo da confissão também permaneceu absoluto.
- Balanço moderado -
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Do Canadá à Bélgica, Francisco se reuniu com diversas vítimas e multiplicou seus apelos pela capacidade de ouvir e seus pedidos de perdão.
Embora tenha sido o papa que mais tomou medidas contra esta questão, nunca reconheceu as causas "sistemáticas", inerentes à Igreja.
Também se mostrou muito distante do relatório da Comissão Independente sobre Abusos Sexuais na Igreja (Ciase) publicado em 2021 na França, cujos membros ele nunca recebeu, pedindo "prudência" diante dos números de 330.000 pessoas agredidas na Igreja quando eram menores de idade entre 1950 e 2020.
Sua atitude também foi notada em outro caso em 2022: Marko Rupnik, um influente padre e artista esloveno e jesuíta, foi acusado por freiras de agressões sexuais e psicológicas cometidas no início da década de 1990. Sob pressão, Francisco suspendeu o estatuto de limitações em 2023 para abrir um processo contra o clérigo.