O presidente eleito Donald Trump pode invocar a Lei de Inimigos Estrangeiros para deportar migrantes? O magnata republicano está convencido de que sim, mas ainda é preciso ver se os tribunais permitirão.

- No que consiste a lei? -

Em 1798, os Estados Unidos estavam à beira da guerra com a França e o Partido Federalista temia que os "estrangeiros" que viviam nos EUA simpatizassem com os franceses.

Como consequência, o Congresso, controlado pelos federalistas, aprovou uma série de leis que endureciam os requisitos para obter a cidadania, autorizavam o presidente a deportar os "estrangeiros" e permitiam sua prisão em tempos de guerra.

- Pode ser invocada contra migrantes? -

Segundo uma análise do 'think tank' Brennan Center for Justice, a lei "pode ser — e tem sido — utilizada contra imigrantes que não fizeram nada de errado, que não mostraram sinais de deslealdade e que estão legalmente" nos Estados Unidos.

"É uma autoridade excessivamente ampla que pode violar os direitos constitucionais em tempos de guerra e está sujeita a abusos em tempos de paz", acrescenta.

Ela foi invocada três vezes: durante a Guerra de 1812, a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial.

O presidente precisa da aprovação do Congresso para invocar a lei em caso de guerra declarada, mas não se for uma "invasão ou incursão predatória".

Ele tem autoridade "para repelir esse tipo de ataque repentino", o que implica "discrição para decidir quando está em curso uma invasão ou incursão", acrescenta o centro.

Ao longo da campanha eleitoral, Trump criticou fortemente os migrantes em situação irregular.

O republicano chamou de "invasão" a entrada sem visto no território dos Estados Unidos e os acusou de envenenar "o sangue" e "infectar" os EUA.

Para "livrar", segundo ele, o país, Trump planeja "a maior operação de deportação da história dos Estados Unidos" assim que assumir o cargo em 20 de janeiro.

"Fecharemos a fronteira. Vamos parar a invasão de ilegais (...) defenderemos nosso território, não seremos conquistados", afirmou várias vezes em tom belicista.

A ala radical do Partido Republicano acredita que pode ser feita uma interpretação não literal do termo "invasão" e "incursão", o que permitiria "invocar a Lei de Inimigos Estrangeiros em resposta à migração ilegal e ao narcotráfico na fronteira", afirma o Brennan Center for Justice.

- Fogo cruzado no Judiciário? -

O uso da lei de 1798 pode entrar em conflito com a Quinta Emenda à Constituição, que garante um julgamento justo, direito a um advogado e a não se autoincriminar, entre outras prerrogativas.

Geralmente, protege contra violações de direitos cometidas pelo governo federal.

Os tribunais costumam anular medidas discriminatórias baseadas, por exemplo, na raça ou ascendência, e aquelas que violam direitos fundamentais.

Algumas organizações de defesa consideram que a lei de 1798 discrimina os migrantes com base no seu país de cidadania ou na sua ascendência.

"Sem dúvida, haverá contestações legais apresentadas por grupos de migrantes e de direitos civis, estados e cidades azuis", a cor do Partido Democrata, declarou à AFP Michelle Mittelstadt, diretora de comunicação do Instituto de Políticas Migratórias (MPI), com sede em Washington.

"Ainda está por se ver se os tribunais permitirão todas as ações prometidas em relação às deportações e outras restrições à imigração", acrescentou.

- Retórica -

Tom Homan, designado por Trump como futuro "czar da fronteira", afirmou que o governo visa todos os migrantes em situação irregular, mas antecipa limitações.

Ele reconhece que será necessária uma grande quantidade de fundos do Congresso para cobrir os gastos com pessoal e com a detenção e expulsão de migrantes, em um país onde mais de 11 milhões de pessoas seriam suscetíveis à deportação, de acordo com o critério de Trump.

Homan também destaca a necessidade de colaboração com outros países.

- Mobilização -

Organizações de defesa dos direitos civis pedem uma reação.

Em outubro, antes mesmo de Trump ganhar as eleições, a ACLU, uma das mais influentes do país, chamou os líderes locais e estaduais a impedir que o governo federal utilize seus recursos para realizar deportações em massa.

"Sem a ajuda das agências governamentais estaduais e locais, será 'muito mais difícil identificar, deter e prender nossos vizinhos e entes queridos imigrantes'", afirmou em um comunicado.

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