A ex-chanceler alemã Angela Merkel faz uma defesa veemente de seus 16 anos à frente da principal economia da Europa em seu livro de memórias "Liberdade", lançado nesta terça-feira (26) em 30 idiomas.

Desde que deixou o posto de chefe de Governo da Alemanha em 2021, Merkel é acusada de ser muito branda com a Rússia, deixando o país perigosamente dependente do gás russo e de possibilitar a ascensão da extrema direita com sua política de portas abertas aos migrantes.

O livro é lançado em um momento explosivo: com os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, a reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a organização na Alemanha de eleições antecipadas após o colapso da coalizão de governo.

Merkel, 70 anos, recordada por sua liderança serena, nega qualquer culpa pelo atual período turbulento na autobiografia de quase 800 páginas, escrita em parceria com sua assessora de longa data, Beate Baumann.

Nos últimos dias, ela concedeu várias entrevistas, nas quais refletiu sobre sua infância sob o comunismo da ex-Alemanha Oriental e seus encontros tensos com Vladimir Putin e Donald Trump, de quem disse que "estava fascinado pelos políticos com tendências autocráticas e ditatoriais".

O livro apresenta detalhes sobre suas ideias e ações, incluindo a entrada em larga escala de refugiados de 2015, que marcou seus últimos anos à frente do governo.

- Crise dos refugiados -

Merkel foi criticada por permitir a entrada de mais de um milhão de pessoas, o que propiciou a ascensão do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema direita.

A ex-chanceler afirma que "a Europa deve sempre proteger suas fronteiras externas", mas insiste que "a prosperidade e o império da lei sempre farão com que a Alemanha e a Europa (...) sejam lugares para onde as pessoas querem ir".

Para Merkel, "a falta de mão de obra faz com que a imigração legal seja essencial", diante do envelhecimento da população alemã.

Sobre o AfD, a ex-chefe de Governo faz um alerta aos principais partidos da Alemanha sobre a adoção de sua retórica "sem propor soluções concretas para os problemas existentes".

- Ligações com a Rússia -

Merkel, que fala russo, também defende sua relação de longa data com Putin - que fala alemão -, apesar de seus receios a respeito do ex-agente da KGB.

Em uma imagem que viralizou, o presidente russo levou um labrador para uma reunião bilateral com a líder alemã, uma tentativa aparente de se aproveitar do medo de Merkel de cachorros.

A política alemã descreve Putin como "um homem permanentemente à espreita, com medo de ser maltratado e sempre disposto a atacar, inclusive brincando de exercer seu poder com um cachorro e fazendo com que os outros esperem".

Ela acrescenta que, que "apesar das dificuldades", tinha razão em "não permitir o rompimento das relações com a Rússia (...) e em preservar os vínculos por meio de relações comerciais".

Também argumenta que "a Rússia é, ao lado dos Estados Unidos, uma das duas principais potências nucleares do mundo".

Merkel defende sua oposição à adesão da Ucrânia à Otan durante a reunião de cúpula de 2008 em Bucareste e considera ilusório pensar que a condição de país candidato teria protegido Kiev da agressão de Moscou.

Depois da cúpula, ela lembra que retornou a seu país com a sensação de que "na Otan não temos uma estratégia comum para lidar com a Rússia".

- Política energética -

O ataque russo à Ucrânia em fevereiro de 2022 e a sabotagem dos gasodutos Nord Stream deixaram a Alemanha sem acesso ao gás russo barato, um gatilho para as atuais dificuldades econômicas.

Merkel, no entanto, rejeita as críticas por permitir a construção dos gasodutos no Mar Báltico e lembra que o Nord Stream 1 foi autorizado por seu antecessor, o social-democrata Gerhard Schroeder, muito próximo de Putin.

Sobre o Nord Stream 2, que ela autorizou depois que a Rússia anexou a Crimeia em 2014, ela argumenta que naquela época teria sido "difícil que as empresas e usuários de gás na Alemanha e em outros Estados da UE aceitassem" a importação de gás natural liquefeito mais caro de outras fontes.

Merkel afirma que o gás era necessário como energia de transição no momento em que a Alemanha buscava adotar fontes renováveis e reduzir progressivamente o uso das centrais nucleares, após o desastre de Fukushima em 2011. 

Sobre a energia nuclear, ela argumenta que "não precisamos dela para alcançar nossas metas climáticas" e que as medidas na Alemanha podem inspirar outros países a seguir os mesmos passos.

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