A batalha pelo acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) tem como protagonista a indústria brasileira de carne bovina, um trunfo para a América do Sul, mas também uma fonte de controvérsia devido ao seu papel no desmatamento, sobretudo na Amazônia. 

Os membros fundadores do bloco sul-americano — Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — e a UE negociam há anos um acordo de livre comércio. Um possível anúncio neste sentido é a principal questão em jogo na cúpula do Mercosul nesta quinta-feira (5) e na sexta, em Montevidéu.

- Por que tão estratégica? -

Segundo principal produtor e o maior exportador de carne bovina do mundo, o Brasil está na mira dos críticos europeus contrários ao acordo de livre comércio com o Mercosul.

Embora o país afirme fornecer produtos de qualidade e respeitando a preservação do meio ambiente, as dificuldades na rastreabilidade de seu gado e os vínculos do setor com o desmatamento são um ângulo de ataque para seus críticos, que denunciam uma concorrência desleal. 

A contestação vem, sobretudo, da França, onde os agricultores se mobilizaram contra o acordo. 

A recente controvérsia, provocada pelo diretor-geral do grupo francês Carrefour, evidenciou as tensões.

Alexandre Bompard anunciou que suas lojas na França deixariam de vender carne proveniente do Mercosul, que, segundo ele, não atendia aos "requisitos" do mercado francês. No entanto, devido à comoção provocada no Brasil, o Carrefour voltou atrás.

- Qual é a situação? -

O Brasil não possui um sistema nacional completo de rastreabilidade individual para seu gado, que atingiu o recorde de 238,6 milhões de cabeças em 2023. 

O único sistema individual existente, que é opcional, exceto para o acesso a certos mercados, incluindo a Europa, não remonta necessariamente ao nascimento do animal e se centra nas normas sanitárias, sem incorporar a variável ambiental.

Este cenário é particularmente problemático na Amazônia, onde quase metade do gado é criado e onde a pecuária extensiva é a principal causa do desmatamento: entre 1985 e 2022, 77% das terras desmatadas foram convertidas em pastagens, segundo a organização MapBiomas. 

Os esforços do atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva levaram a uma queda acentuada do desmatamento na maior floresta tropical do mundo, que é fundamental na luta contra o aquecimento global. 

Mas grileiros e pecuaristas continuam abrindo novas parcelas de forma ilegal, avançando sobre a mata densa das reservas naturais e das terras indígenas.

- O que vai mudar? -

A lei europeia que proíbe a importação de produtos oriundos do desmatamento, que entrará em vigor em janeiro de 2026, e o desejo expresso da China de ter em breve uma rastreabilidade total da carne bovina brasileira, da qual é o principal comprador, obrigam o Brasil a acelerar seus esforços.

Em maio, o Ministério da Agricultura anunciou a criação de um grupo de trabalho com empresas do setor para desenvolver um sistema capaz de verificar a origem exata de cada animal e controlar toda a cadeia produtiva. Prometido para 2027, o sistema deverá estar totalmente operacional em 2032.

- Quais são os desafios? -

Pressionados pela sociedade civil e a justiça, os principais frigoríficos brasileiros comprometeram-se, a partir de 2009, a deixar de comprar gado procedente do desmatamento da Amazônia. 

Embora os fornecedores diretos sejam agora controlados por "praticamente todos os grandes frigoríficos", antes deles "tem dois ou três elos da cadeia, com bezerros vendidos para outras fazendas para recria e depois engorda", explicou à AFP André Guimarães, diretor do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). 

Esta dispersão dificulta o controle e favorece a "lavagem" do gado: pessoas que pastoreiam seus rebanhos em terrenos ilegais e depois transferem-nos para explorações legais, onde são misturados com outros animais para disfarçar a sua origem.

- O que os produtores brasileiros estão fazendo? -

As gigantes brasileiras do setor da alimentação defendem seus avanços, mas admitem que enfrentam um "desafio" por parte dos fornecedores indiretos. 

Contactadas pela AFP, a JBS, a Minerva Foods e a FriGol afirmaram ter implementado ferramentas tecnológicas com esta finalidade, e aderiram a iniciativas para identificar os animais com dispositivos eletrônicos em suas orelhas. 

Mas, segundo Cristiane Mazzetti, porta-voz do Greenpeace Brasil, "há um atraso do setor", porque apesar de existirem "ferramentas", faltou "vontade política e investimentos" no começo, declarou.

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