A Bolívia vai às urnas neste domingo (15) com desconfiança e cansaço para escolher, por voto popular, suas máximas autoridades judiciais, em um processo eleitoral atípico e carregado de questionamentos, do qual a maioria das regiões não poderá participar plenamente.
Desde 2011, a Bolívia é o único país do mundo onde seus cidadãos votam para designar seus altos magistrados, embora o México siga os mesmos passos em 2025 com uma fórmula mais radical, que incluirá juízes de instâncias inferiores.
Após duas eleições (2011 e 2017) em que os votos nulos e brancos ultrapassaram 60% do sufrágio, os bolivianos chegam para esta terceira convocação ainda mais desencantados.
"O desprestígio (do sistema de Justiça) está mais alto do que nunca. Acreditava-se que as eleições judiciais poderiam, de alguma forma, mudar essa situação, mas não foi assim", explica à AFP a cientista política Ana Lucía Velasco.
Nas cidades mais importantes do país, 85% da população confia pouco ou nada no sistema de Justiça, segundo uma pesquisa da Ipsos.
"Sempre houve desconfiança, mas nunca como nesta época. A incerteza chegou ao máximo", opina Justo Arce, um aposentado de 72 anos que não pretende votar.
Essas são as chaves de um processo que busca renovar, de forma acidentada, os mais altos cargos de uma instituição que perdeu a confiança dos cidadãos.
- Caminho acidentado -
Neste domingo, 7,3 milhões de cidadãos escolherão 38 autoridades - titulares e suplentes - do Tribunal Constitucional, do Tribunal Supremo de Justiça, do Conselho da Magistratura e do Tribunal Agroambiental.
Os candidatos são pré-selecionados pelo Parlamento.
O processo eleitoral deveria ter ocorrido em 2023, mas foi postergado várias vezes. Todos os magistrados têm seus mandatos expirados.
O Tribunal Constitucional, diante das impugnações de alguns candidatos rejeitados na pré-seleção, suspendeu as eleições que designariam seus próprios substitutos em cinco dos nove departamentos do país.
Tomou a mesma decisão para o Tribunal Supremo de Justiça, a mais alta instância de apelação, em dois departamentos.
"Muitos desses (...) vão continuar em seus cargos porque as eleições não cobrirão suas jurisdições. De qualquer forma, é uma eleição muito rara", explica Velasco.
"Estaríamos pensando que esses juízes 'autoprorrogados' casualmente ficariam até 2027. É a Assembleia Legislativa que precisa se pronunciar sobre isso", afirmou na quarta-feira Francisco Vargas, vice-presidente do Tribunal Supremo Eleitoral, em conferência com a imprensa estrangeira.
- Jogo político -
Em 2025, a Bolívia terá eleições presidenciais, e o Poder Judiciário pode inclinar o tabuleiro político enquanto Evo Morales e o presidente Luis Arce disputam a liderança da esquerda.
O Tribunal Constitucional já agiu parecido neste ano, quando impediu uma nova candidatura de Morales, que governou o país entre 2006 e 2019, ao limitar a dois os mandatos presidenciais que um cidadão pode exercer.
"É possível que com essas eleições venham novos juízes que mudem essa sentença", diz Velasco.
"Lamentavelmente, a ingerência política de esquerda e direita faz com que juízes independentes, não todos, se subordinem ao poder", comenta Danny Paucara, presidente do Colégio de Advogados de La Paz.
Apesar da proibição, Morales insiste em se candidatar, enquanto Arce não confirmou se buscará um segundo mandato, embora em seu governo haja vozes que apoiam a ideia.
- Desconhecimento -
Além disso, as eleições são complicadas de entender para a população. Os candidatos estão impedidos de fazer campanha eleitoral, e seus perfis são de difícil acesso para os eleitores.
"Não conheço ninguém", diz Valentina Esteban, uma dona de casa de 57 anos, sobre os candidatos que se postulam. "Não estou satisfeita com a justiça porque não se pode confiar (...) Não sei quem diz a verdade e quem mente", acrescenta.
Velasco alerta que "os juízes acabam sendo escolhidos por 2% ou 3% do eleitorado".
"Eles não têm legitimidade nenhuma, e isso tem a ver com o fato de que as pessoas não acreditam muito no sistema", observa.
As eleições judiciais foram propostas durante o governo de Evo Morales com o argumento de favorecer a imparcialidade.
"Estamos indo para uma terceira eleição, onde aparentemente estamos prestes a encontrar uma solução para um problema que não passa por uma eleição", conclui Paucara.
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