Desde que Javier Milei assumiu a Presidência argentina, há um ano, ele deixa claro quem é o seu farol ideológico: Donald Trump. O líder argentino se prepara para acompanhar o americano em sua posse, em Washington, agora não apenas como um admirador declarado, mas também como seu homem na América Latina.

Trump "é o presidente do país mais importante do planeta", ressaltou em entrevista recente o presidente argentino, que conduz "o maior ajuste fiscal da história da humanidade" e que acostumou os argentinos às suas hipérboles.

A admiração de Milei pelo presidente eleito dos Estados Unidos foi visível quando o argentino o cumprimentou de forma efusiva durante uma conferência conservadora em fevereiro passado, e se fortaleceu com sua visita à mansão de Trump na Flórida logo após a vitória eleitoral do magnata, em novembro.

Naquele momento, o primeiro líder estrangeiro a se reunir com Trump após a sua vitória já havia se tornado uma referência para a extrema direita global, apaixonada pela agenda "antiwoke" de Milei e pela "motosserra" com a qual ele cortou gastos a toda velocidade.

"A amizade entre Trump e Milei vai além dos elogios do líder argentino", disse à AFP Benjamin Gedan, diretor para a América Latina do Wilson Center. "Milei se consolidou como um dos aliados estrangeiros mais importantes de Trump". 

Ambos contam com o apoio do poderoso Elon Musk, dono da Tesla e da SpaceX, que comemora as reformas pró-mercado de Milei na rede social X, e cuja presença é esperada na posse de Trump, em 20 de janeiro.

A relação de Milei com o homem mais rico do planeta, que assessora Trump, também evoluiu no último ano. Agora, Musk "quer pegar a motosserra de Milei emprestada para fazer cortes drásticos no orçamento americano", disse Gedan.

- Sintonia geopolítica -

A sintonia entre os dois líderes não se deve apenas a afinidades ideológicas. Trump vê em Milei um aliado-chave para combater a influência na região de Venezuela, Cuba e Nicarágua.

"Está claro que haverá uma afinidade política muito forte; a Argentina estará muito alinhada com as prioridades americanas, tanto em nível global quanto regional", disse Ariel González Levaggi, coordenador do Comitê de Estados Unidos do Conselho Argentino para as Relações Internacionais (Cari). 

"Isso posiciona o governo Milei como principal parceiro dos Estados Unidos na região para os próximos anos", comentou à AFP.

Nesse sentido, o líder argentino antecipou que tem em vista um Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, enquanto Trump pode estar interessado no apoio de Milei em uma região onde se preveem conflitos com o México (devido à questão migratória) e o Panamá (devido ao Canal).

Essa aliança, no entanto, pode trazer riscos para a Argentina, alertou Alejandro Frenkel, especialista em relações internacionais da Universidade Nacional de San Martín.

"Qualquer país da América Latina que aprofunde ou desequilibre muito o relacionamento em favor dos Estados Unidos, em detrimento da China, pode ser prejudicado", advertiu.

A China é o segundo maior parceiro comercial da Argentina, atrás do Brasil. 

Frenkel destacou os investimentos importantes do país asiático na infraestrutura da região - como o porto inaugurado em novembro no Peru - como demonstração de uma influência econômica que "os Estados Unidos não podem oferecer".

- Novo empréstimo -

Após surpreender os críticos ao encerrar o ano com as contas em dia, a inflação controlada e o país em relativa calma, apesar do rigor do ajuste, o próximo objetivo de Milei é conseguir um novo empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Agora, ele espera usar sua amizade com Trump para superar quaisquer obstáculos que o FMI possa impor para lhe conceder novos fundos, considerando que o órgão multilateral concedeu à Argentina em 2018 o maior empréstimo de sua história, de US$ 44 bilhões (R$ 266 bilhões na cotação atual).

Levaggi acredita, no entanto, que a afinidade ideológica entre os dois presidentes "dificilmente poderá levara um novo acordo. Talvez possa liberar algum desembolso adicional", mas não da magnitude de 2018 "porque o contexto é outro".

Nesse ponto, foi uma má notícia para Milei a nomeação de Mauricio Claver-Carone, um crítico da sua gestão, como enviado especial do Departamento de Estado para a América Latina. 

"A única solução para Milei parece ser pedir mais dinheiro do Fundo. É perda de tempo", disse em julho ao Observador, do Uruguai.

Por outro lado, Trump anunciou na terça-feira que criará um órgão especializado para cobrar tarifas sobre importações, e essa política poderia levar a um aumento de preços que "afetaria a Argentina e muitos outros países", disse Frenkel.

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