O modelo da barbárie
compartilhe
Siga noJÚLIO MOREIRA
Por volta das 10h da manhã de 29 de abril de 1945, a 42ª Divisão de Infantaria do Exército dos Estados Unidos — conhecida como Rainbow Division — alcançou os portões de um campo cercado por arame farpado, próximo a Munique, na Baviera. O que os soldados encontraram ali permaneceria para sempre em sua memória e entraria para a história como uma das mais terríveis descobertas da Segunda Guerra Mundial: o campo de concentração de Dachau.
Ao entrarem no local, os americanos encontraram 32 mil prisioneiros em condições subumanas. Esqueléticos, doentes, com tifo, apáticos. Centenas de cadáveres jaziam nos barracões, em vagões abertos ou empilhados ao redor do campo. Os sobreviventes, muitos deles sem forças para se levantar, assistiam à libertação com olhos vazios. Atrás da cerca elétrica, sentados ao sol, raspavam piolhos da própria pele. “Eles não têm idade nem rosto; são todos iguais…”, escreveu a jornalista americana Martha Gellhorn, que chegou ao campo poucos dias depois com as tropas aliadas. Ela cobria a guerra desde a Guerra Civil Espanhola e declarou: “A fome matou a maioria; deixar morrer de fome era rotina aqui.”
Fundado em 22 de março de 1933, apenas sete semanas após Hitler chegar ao poder, Dachau foi o primeiro campo de concentração nazista. Sob ordens diretas de Heinrich Himmler, então chefe da polícia de Munique, o campo foi construído para abrigar 5 mil prisioneiros e logo se tornou o laboratório do terror: todos os métodos de tortura, controle, disciplina e extermínio utilizados em outros campos foram testados ali.
O comandante mais influente de Dachau foi Theodor Eicke, nazista fanático que moldou o campo como uma escola da brutalidade. Ele organizou os barracões ao longo de uma grande via para facilitar a vigilância, impôs recontagens diárias e treinou os guardas da SS para agirem com frieza absoluta. “Eu só posso usar homens duros e determinados a tudo. Aqui não há lugar para mocinhas”, dizia Eicke.
Inicialmente voltado para prisioneiros políticos — comunistas, social-democratas, sindicalistas e até alguns conservadores — Dachau logo passou a receber judeus, testemunhas de Jeová, ciganos, homossexuais e clérigos católicos, especialmente após 1938. Estima-se que 2.720 sacerdotes tenham sido encarcerados no chamado “quartel dos religiosos”, muitos deles submetidos a torturas ou experimentos médicos.
Anatomia da barbárie
Com o tempo, Dachau se expandiu e passou a contar com dois crematórios, uma câmara de gás (cujo uso para assassinatos em massa ainda é alvo de debate histórico) e o Alojamento X, onde se realizavam experimentos médicos cruéis. Prisioneiros foram expostos a altitudes extremas, temperaturas congelantes, testes com malária e tuberculose e métodos de tornar água do mar potável — tudo sem qualquer consentimento.
A partir de 1942, mais de 2.500 prisioneiros foram enviados para as câmaras de gás do Castelo de Hartheim, na Áustria, como parte do programa de eutanásia. Outros milhares foram executados a tiros no pátio do bunker ou em campos de tiro construídos especialmente para isso. Pelo menos 4.000 prisioneiros de guerra soviéticos foram assassinados em Dachau após a invasão da URSS.
Além do terror físico e psicológico, Dachau operava como um centro de trabalho forçado. Inicialmente, os detentos realizavam tarefas de construção, drenagem de pântanos e serviços internos. Mas, com o avanço da guerra, passaram a ser mobilizados para a indústria bélica. Em 1944, foram criados mais de 140 subcampos ligados a fábricas de armamentos, principalmente na Baviera. Milhares de prisioneiros morreram de exaustão, doenças e desnutrição.
O fim e a libertação
Com o avanço dos Aliados, os nazistas começaram a evacuar os campos próximos às frentes de batalha, forçando prisioneiros a marchas da morte. Dachau passou a receber comboios lotados de prisioneiros vindos do leste, agravando ainda mais as condições sanitárias. Epidemias de tifo, fome extrema e superlotação tomaram conta do campo. Em 26 de abril de 1945, havia mais de 67 mil prisioneiros registrados em Dachau e seus subcampos.
Três dias depois, em 29 de abril de 1945, os americanos chegaram. Encontraram mais de 30 vagões de trem repletos de cadáveres em decomposição. Os poucos guardas da SS que restavam foram rendidos ou mortos. A população local de Dachau foi obrigada pelos soldados a visitar o campo e ver os horrores com seus próprios olhos.
No início de maio, os últimos sobreviventes das marchas da morte também foram libertados. Em 8 de maio, a Alemanha nazista assinaria sua rendição incondicional, encerrando oficialmente a Segunda Guerra Mundial.
Durante seus 12 anos de existência, mais de 200 mil pessoas passaram por Dachau. Estima-se que 45 mil tenham sido mortas, número que inclui os assassinados em subcampos e em transferências. O campo funcionou como protótipo de crueldade institucionalizada, onde o Estado nazista aperfeiçoou sua máquina de repressão e morte.