Depoimento Jaeci Carvalho

"O grande sonho americano está se tornando um pesadelo"

Radicado nos EUA desde 2016 e há três anos cidadão norte-americano, Jaeci Carvalho, colunista do Estado de Minas, conta como está a situação no país governado n

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Vou mostrar para vocês, leitores do nosso Estado de Minas e dos nossos sites, a visão de alguém que migrou para os EUA em 2016, com seu Green Card em mãos, que mora aqui há nove anos, e que há três anos é cidadão americano, junto com sua família. O país dos sonhos está se tornando um grande pesadelo, e, a cada ida aos supermercados, a gente se sente como se estivesse no Brasil na época do Plano Cruzado, quando as maquininhas não paravam de aumentar os preços.


Para vocês terem uma ideia, quando chegamos aqui, o dólar estava cotado a R$ 3, hoje está cotado a R$ 6. Você ia ao Costco, um dos atacadistas mais famosos do país, e com US$ 100 enchia o carrinho de compras. Hoje, com o mesmo valor, só consegue comprar quatro ou cinco produtos. A gasolina sobe todos os dias, e, por isso, muita gente está optando pelos carros elétricos. Fiz a aquisição de um recentemente. Bares e restaurantes estão pela hora da morte, e um vinho normal com uma refeição para você, esposa e dois filhos não fica por menos de US$ 250. Roupas estão pelos olhos da cara. Enfim, o sonho americano não é o mesmo.


Claro que a grande maioria vem para cá em busca de uma vida melhor. Há imigrantes que entram pela fronteira com o México, de forma ilegal, arriscando suas vidas e de seus filhos. Não há dúvida de que empregos aqui sobram, mas o preço que essas pessoas pagam vivendo ilegalmente é muito alto. Com a política do presidente Donald Trump, a deportação de gente ilegal, em massa, ocorre todos os dias.

Nos supermercados dos EUA, os preços dispararam e os consumidores têm comprado apenas o necessário
Nos supermercados dos EUA, os preços dispararam e os consumidores têm comprado apenas o necessário JUSTIN SULLIVAN / GETTY IMAGES / AFP


Na Flórida, por exemplo, se um imigrante é pego cometendo uma infração de trânsito, seu status agora pode ser checado e, caso esteja ilegal, ele é preso e levado para um presídio, até que a ordem de deportação chegue. Tenho visto muita gente abrindo mão de dirigir, pegando Uber, para não correr riscos. Vale lembrar que a maioria dos imigrantes latinos, e aí incluímos os brasileiros, trabalha na construção civil, e o pessoal do ICE (Immigration and Customs Enforcement) está de olho nessa gente.


A pandemia de Covid-19 também transformou o país e o mundo. Temos que considerar que de lá para cá tudo aumentou. Havia uma expectativa de que, com a volta à normalidade, os preços estancassem e voltassem ao normal, mas não foi isso o que aconteceu. Tudo continua muito caro e sem perspectiva de volta ao passado.


Os preços dos imóveis e aluguéis quadruplicaram. Hoje já há uma defasagem e a oferta está maior que a procura, mas, ainda assim, os preços estão pela hora da morte. Muita gente opta por morar longe dos grandes centros. Quando um imigrante fala que mora em Miami, as pessoas enchem os olhos, mas, na verdade, a grande maioria mora nas chamadas “periferias”, a 50, 60, 70 milhas do centro de Miami. Mas sempre há aquele glamour de dizer que “mora em Miami”.


A grande vantagem ainda é a segurança, embora a violência tenha aumentado no mundo e aqui não seria diferente. A escola é de graça até o ensino médio. Daí por diante, para fazer universidade, a coisa muda de figura, pois elas são pagas. As mais baratas custam, em média, US$ 40 mil por ano e, como grande parte da população ganha cerca de US$ 50 mil/ano, fica inviável pagar curso superior para filhos.


E a cultura aqui é diferente da nossa. Aos 18 anos, os filhos saem de casa e vão viver suas vidas, buscar trabalho e ser independentes. Por isso mesmo, a gigantesca maioria não consegue entrar em um curso superior.


O grande problema agora é que, com as deportações, a mão-de-obra vai ficando escassa. A maioria dos norte-americanos não trabalha limpando privadas, cortando grama ou fazendo outros serviços desse tipo.


É importante dizer também, que o presidente que mais deportou foi o democrata Barack Obama, com um recorde de 3 milhões de pessoas expulsas em oito anos de governo. Porém, ele deportava mesmo os marginais e gente com histórico criminal. Já com Donald Trump, as deportações têm sido cruéis, separando filhos de seus pais e por aí vai. Se o filho nasceu aqui nos EUA, pela legislação, ele é cidadão estadunidense. Casos os pais sejam pegos em situação ilegal e não possam ficar no país, muitos dos filhos são obrigados a voltar para o país dos pais, isso quando não são separados deles e ficam ao “Deus dará”, uma crueldade.


Os shoppings centers, antes lotados por clientes carregando sacolas de lojas de grifes, mostram outra realidade. O povo perdeu o poder aquisitivo e os milionários, que antes gastavam sem dó nem piedade, estão guardando o dinheiro, com medo de investir, ao menos até que uma luz no fim do túnel econômico apareça. Com isso, o país vai deixando de faturar e a economia enfraquecendo.

Para evitar vandalismo, consumidores colam  adesivos em carros dizendo que compraram veículos da Tesla antes das mudanças implementadas por trump
Para evitar vandalismo, consumidores colam adesivos em carros dizendo que compraram veículos da Tesla antes das mudanças implementadas por trump Divulgação


A construção civil continua de vento em popa, mas os trabalhadores estão diminuindo, pois a maioria é latina e não tem documentos. É uma espécie de bola de neve e essa mão-de-obra vai faltar em breve.


Como aqui cada estado tem suas próprias leis, a coisa é mais severa onde governadores republicanos seguem à risca a cartilha de Trump. Já em estados governados por democratas, a coisa funciona de forma mais liberal. Mas há leis federais que devem ser cumpridas.


As igrejas, que abrigavam em seus cultos muita gente ilegal, andam vazias. A ordem do presidente para que as autoridades possam prender imigrantes ilegais nos templos tem aterrorizado muita gente. Antes, era ilegal prender imigrantes em igrejas. Vários juízes já contestaram essa decisão de Trump. O medo maior dos pais é serem presos e separados de seus filhos.


A instabilidade econômica e as novas tarifas impostas pelo governo Trump são o assunto do momento. Ninguém sabe para que lado seguir. Produtos supérfluos, nem pensar. O básico já está difícil comprar. O poder aquisitivo realmente caiu. Funcionários de lojas, que antes tinham comissões gordas, hoje vivem apenas do salário, que perdeu poder de compra, pois as vendas caíram substancialmente. Donos de lojas em shoppings estão desesperados porque pagam aluguéis altíssimos e não estão conseguindo vender nem para pagar suas obrigações.


Com todos esses problemas, os EUA ainda são a maior potência econômica do mundo. Por quanto tempo, ninguém sabe. Os que votaram em Trump, baseados na promessa de America Great Again (América Forte de Novo, em tradução livre), estão começando a se arrepender. Se antes ele era considerado um grande presidente na área econômica, pelo que fez em seu primeiro governo, hoje a realidade mudou.


O empresário Elon Musk, antes respeitado e admirado, vive momentos terríveis, pois as vendas dos carros Tesla caíram de forma assustadora. Pelas ruas, muitos modelos exibem adesivos que dizem o seguinte: “I bought it before all this happened” (Eu comprei o carro antes disso tudo acontecer). Há casos mais extremos em que concessionárias Tesla e seus carros estão sendo alvo de vandalismo, com incêndios e depredações.


A recessão mundial está a caminho e sentimos isso a cada dia. O grande sonho americano está se tornando um pesadelo jamais imaginado pelos imigrantes. São os novos tempos de incertezas, desafios e muita resiliência. O mundo está de cabeça para baixo e a maior potência entre os países vive dias de preços absurdos, de instabilidade econômica e de muita indefinição. Porém, pelo futuro dos filhos, ainda vale a pena sonhar. Até quando, ninguém sabe dizer!

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