O Brasil tem sido destaque mundial no acolhimento a refugiados e considerado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) como um potencial candidato a “campeão global” no acolhimento de pessoas refugiadas. Mas apesar disso, o país ainda enfrenta dificuldades para conseguir receber os refugiados que chegam e passa por reveses relacionados à legislação, que colocam em risco os direitos humanos dessas populações. Diante do cenário, a atuação de Organizações Não Governamentais (ONGs) passa a ser ainda mais decisiva no acolhimento e integração de refugiados, como o caso da ONG Planeta de TODOS.
Em dezembro, a ONG brasileira completa oito anos com atuação nas maiores crises migratórias do mundo, na Itália e Grécia, atendendo a jovens imigrantes vindos principalmente do Oriente Médio e da África. E, neste ano, abriu sua primeira casa de acolhimento no Brasil focada na integração sociolaboral dos refugiados vindos do Afeganistão devido à tomada de poder pelo grupo radical Talibã.
A chegada da ONG ao país, que é mantida pelo Cartão de TODOS, coincidiu com o período em que centenas de refugiados estavam acampados no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, no primeiro semestre do ano, à espera de assistência e um lugar para ficar. Sem uma ação ágil do poder público, muitos refugiados conseguem ajuda a partir de iniciativas da sociedade civil e as ONGs ganham ainda mais importância por atuarem como ampliação alternativa à rede de assistência pública.
Reveses na legislação ameaçam direitos de refugiados no Brasil
Nos últimos dias, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve em vigor a portaria do Ministério da Justiça, vigente desde o final de agosto, que limita os pedidos de refúgio no Brasil. Com a decisão, fica revogada a liminar que concedia um habeas corpus coletivo, obtido pela Defensoria Pública da União (DPU). Essa liminar impedia a devolução de migrantes retidos na área restrita do aeroporto de Guarulhos e garantia a eles o direito de solicitar refúgio, negando este direito básico a quem mais precisa.
Para André Naddeo, diretor-executivo do Planeta de TODOS, “a emissão dessa nova portaria, agora abalizada pelo STJ, é uma grande derrota para o ativismo de refúgio brasileiro. Estamos nos colocando exatamente como órgãos europeus, por exemplo, quando na verdade sempre fomos vanguarda nesse assunto”, afirma.
Com a justificativa de combater a migração irregular e o tráfico de pessoas, a decisão do STJ deixa poucas saídas para o refugiado: para conseguir autorização de entrada no país, é preciso comprovar vínculos prévios com o Brasil, como reunião familiar, ou provar que está sendo perseguido. Do contrário, poderá ser enviado de volta ao país de origem. Segundo Naddeo, a medida apresenta um retrocesso grave às políticas públicas para garantia dos direitos humanos de populações forçadas a se deslocar.
“O argumento de que o Brasil virou um país de trânsito de imigrantes, especialmente rumo aos Estados Unidos, deveria ser combatido com medidas mais efetivas de integração social e cultural, e não simplesmente tratar o tema como segurança pública”, afirma Naddeo. “Impedir a chegada de novos solicitantes de asilo, ou colocá-los em zona restrita de aeroporto, como acontece em Guarulhos, ou até a deportação vai diretamente contra o nosso DNA imigrante, que sempre fez parte da nossa história”.
A decisão do STJ contraria o que é previsto no Estatuto dos Refugiados (Lei nº 9.474/1997), segundo o qual em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada. “Diversos afegãos optaram por rotas inseguras, por exemplo, por entenderem que não tinham como traçar um futuro digno por aqui. Perdemos a chance de criar uma grande comunidade que teria muito a contribuir”, ressalta Naddeo.
Para o diretor, a existência de políticas públicas e de uma legislação competente para solicitantes de refúgio é o primeiro passo para que não lhes sejam negados direitos humanos básicos. “Quando falamos em indivíduos em condição de refugiados, estamos falando de pessoas que tiveram seus direitos tomados”, afirma. Para Naddeo, é fundamental que os refugiados tenham seus direitos reconhecidos e garantidos para que possam se integrar plenamente à sociedade. “A proteção legal e o apoio social são essenciais para que essas pessoas superem os desafios do deslocamento forçado e construam um futuro promissor no Brasil”, ressalta.
Direitos previstos em lei para refugiados acolhidos no Brasil
1) Não devolução: este é o primeiro direito ameaçado pela decisão do STJ, segundo o qual o Brasil garante a não-expulsão ou devolução de refugiados e solicitantes de refúgio para países onde sua vida ou integridade física estejam em risco, incluindo seu país de origem.
2) Não penalização: durante o processo de análise do pedido de refúgio, o solicitante tem o direito de não ser penalizado por entrar no Brasil sem documentos, caso essa tenha sido a única forma encontrada para buscar refúgio.
3) Direitos básicos: acesso à saúde, educação, assistência social, judiciário e trabalho.
4) Liberdade de movimento e expressão: incluindo liberdade de culto religioso, liberdade de expressão sexual, livre trânsito pelo território nacional e liberdade de pensamento.
5) Proteção contra tortura e tratamento degradante: os refugiados têm o direito de não serem submetidos a nenhum tipo de tortura, tratamento cruel ou degradante.
6) Reunião familiar: refugiados reconhecidos no Brasil podem solicitar a extensão do status de refugiado a seus familiares e dependentes econômicos. Quem tem direito à reunião familiar são cônjuges ou parceiros, ascendentes, descendentes e outros membros do grupo familiar que dependam economicamente do refugiado. É importante destacar que o governo brasileiro não se responsabiliza pelos custos da vinda dos familiares, como passagens aéreas, por exemplo.
7) Flexibilidade na documentação: a lei brasileira considera a dificuldade dos refugiados em obter documentos de seus países de origem e, por isso, não tem esse aspecto como impeditivo que ameace a permanência em refúgio.
8) Emissão de passaporte brasileiro para estrangeiros: refugiados reconhecidos no Brasil podem solicitar o passaporte brasileiro para estrangeiros.
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