Em dezembro, a África do Sul assumiu a presidência rotativa do G20, grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e da União Africana. Será a primeira nação do continente africano a liderar a cúpula e o país que encerrará o ciclo de quatro anos de lideranças do Sul Global, iniciado em 2022 pela Indonésia.

“Nossa pauta vai ser focada na solidariedade, igualdade e desenvolvimento sustentável”, anunciou o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, ao receber o bastão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início deste mês, sinalizando que deve dar continuidade à agenda brasileira.

Na avaliação do economista indiano, CP Chandrasekhar, chefe global de Pesquisa e Política da International Development Economics Associates (IDEAs), a maior conquista do Brasil foi conseguir uma declaração endossada por todos os líderes, dado o contexto político global. Ele se refere aos crescentes conflitos no Oriente Médio, o genocídio em Gaza e a guerra na Ucrânia. 

A IDEAs integrou o grupo de engajamento dos think tanks (T20) no G20 deste ano. Em suas recomendações, o T20  destacou a criação de um imposto mínimo global sobre os indivíduos de alta renda e corporações altamente poluentes, o combate à evasão fiscal, a reforma do sistema financeiro internacional e a otimização do acesso de países de baixa renda aos fundos climáticos multilaterais.

Chandrasekhar considera que a declaração sob a presidência brasileira trouxe avanços em relação aos fóruns anteriores, mas critica sua superficialidade em relação à reforma do sistema financeiro internacional e a omissão das iniciativas dos BRICS para diversificar os sistemas de pagamento. "Foi ainda mais decepcionante no que diz respeito à crise da dívida dos países em desenvolvimento", avalia. Por outro lado, destaca pontos positivos como a maior visibilidade dada aos Bancos de Desenvolvimento, ao combate à fome e ao papel da tributação para redução das desigualdades.

O economista ganês Charles A. Abugre, diretor executivo da IDEAs, ressalta que a participação da União Africana como membro do grupo possibilitou maior atenção às questões do continente tanto na cúpula como na declaração final. Ele considera que a presidência brasileira foi bem-sucedida ao dar voz à sociedade civil e aos movimentos sociais, por meio do G20 Social, novidade que será mantida no próximo ano, de acordo com o presidente Ramaphosa. "Com esses sinais e iniciativas do governo sul-africano, academia, sociedade civil, sindicatos e outros movimentos sociais na África devem se mobilizar, assim como ocorreu no Brasil, para ampliar ao máximo as propostas de políticas progressistas”, destaca.

Para o economista, a liderança sul-africana no G20 carrega a responsabilidade de dar continuidade à agenda do Brasil, juntamente com as áreas de interesse específicas do continente africano. "A presidência da África do Sul do G20 no próximo ano também deve ser vista como uma liderança pan-africana. Não apenas porque o país tem sido, há muito tempo, a única voz do continente nesse fórum, mas também porque é membro da União Africana", afirma.

O conceito também é endossado pelo presidente sul-africano. "A África é o nosso lar. Vamos procurar fazer com que o próximo G20 seja afrocentrado. Também focado no Sul Global, como o Brasil fez, mas no nosso caso, será o continente africano", revelou Ramaphosa em coletiva de imprensa durante o encerramento da cúpula do G20 no Brasil. 

Nesse contexto, Abugre vê o enfrentamento da crise da dívida externa como um dos temas centrais na cúpula do próximo ano. De acordo com ele, a questão do endividamento dos países africanos está estritamente ligada à necessidade urgente de mudança na arquitetura financeira global, incluindo a reforma de instituições, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que têm sido insuficientes na reestruturação das dívidas. Abugre defende ainda a necessidade de ações concretas para conter os fluxos financeiros ilícitos, ponto que foi citado na declaração da cúpula brasileira.  

Em relação à mudança do clima, que afeta desproporcionalmente os países mais pobres e vulneráveis, Abugre considera que a África do Sul deve buscar compromissos mais firmes dos países de alta renda em relação ao financiamento climático. "A crise climática está ligada à desigualdade de riqueza e renda", aponta. Ele defende uma agenda redistributiva, que libere recursos para enfrentar a pobreza alimentar, de renda e de energia nos países em desenvolvimento. 

A presidência sul-africana estabeleceu três grupos de trabalho. O primeiro é sobre crescimento inclusivo, industrialização e emprego para reduzir as desigualdades; o segundo é segurança alimentar; e o terceiro é sobre inteligência artificial (IA), governança de dados e inovação para o desenvolvimento sustentável. "O IDEAs está desenvolvendo sua estratégia de engajamento no G20 da África do Sul, assim como fez durante a preparação da cúpula no Rio de Janeiro", conta Chandrasekhar. De acordo com ele, a organização deve se concentrar nos dois primeiros grupos de trabalho.  

Em 2026, os Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump, assumem a presidência do G20, o que significa que farão parte da Troika deste ano, junto com a nova liderança da África do Sul e a anterior (Brasil). Ou seja, os sul-africanos que ocupam a presidência coordenarão o grupo, com apoio dos outros dois países.

Na visão de Chandrasekhar, Trump pode dificultar a implementação de alguns itens do comunicado brasileiro, como o enfrentamento das desigualdades, tributação mais justa e maior acesso ao financiamento climático. "Aspectos da agenda da África do Sul, como a governança de dados, também podem ser vistos de forma crítica pelos Estados Unidos", alerta.

Chandrasekhar, no entanto, pondera que o presidente norte-americano é conhecido pela diplomacia transacional, em que as negociações se sobrepõem às relações de longo prazo construídas entre Estados. "É possível que Trump busque, por exemplo, negociar o acesso a minerais críticos em troca de uma reestruturação das dívidas. Apesar de sua retórica contra ações climáticas, ele pode se mostrar apenas morno em relação a isso no G20", avalia.



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