Em Montalvânia, no Norte de Minas, alunos recebem lanches antes de embarcar no ônibus para realizar o exame -  (crédito: Sec. Educação Montalvânia/Divulgação)

Em Montalvânia, no Norte de Minas, alunos recebem lanches antes de embarcar no ônibus para realizar o exame

crédito: Sec. Educação Montalvânia/Divulgação

Além da ansiedade, nervosismo, estudos finais e esforço para se concentrar, há candidatos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que precisam lidar com mais um empecilho: a distância. Para uma legião de estudantes mineiros que faz, amanhã, o segundo dia de provas, o dia será de nova viagem, já que a prova é realizada em apenas 22% dos municípios do estado.

Das 853 cidades mineiras, 665 não têm aplicação das provas do Enem. Isso significa que quem se inscreveu para fazer a prova em quase 80% dos municípios de Minas precisará viajar para outro endereço, por vezes, até em outro estado para tentar a chance de ingresso no ensino superior. A viagem interestadual é o caso de centenas de candidatos em Montalvânia, cidade de cerca de 14 mil habitantes no Norte de Minas.

Tanto no último domingo como amanhã, cerca de 200 estudantes montalvanenses deixarão sua cidade rumo a Cocos, no Sul da Bahia. A viagem de 40 quilômetros é feita em ônibus do transporte escolar municipal cedido pela prefeitura da cidade mineira e os candidatos são acompanhados por monitores. “O transporte representa um apoio e incentivo para os alunos da nossa cidade realizarem o exame, principalmente os de classe baixa que não possuem alternativas de transporte para realizar as provas”, informou a Secretaria Municipal de Educação de Montalvânia.

Helaine Cardoso Sena, de 21 anos, é uma das estudantes de Montalvânia inscritas no Enem que, neste domingo, viaja novamente até Cocos. “Com a viagem, fico mais nervosa. Tem aquela situação de ficar esperando o horário do ônibus na ida e na volta”, conta a jovem, que sonha com uma vaga no curso de medicina. No primeiro dia de provas, ela saiu de casa às 7h30 e recebeu o lanche da prefeitura antes de pegar a estrada, às 8h30. A candidata almoçou já em solo baiano por volta das 11h. O exame começou às 13h30 e o horário final para entregar as respostas aos aplicadores foi 19h. Helaine só chegou em casa novamente às 21h após exaustiva jornada que durou mais que metade de um dia.

A má qualidade das estradas é outra questão que preocupa os viajantes do Enem. “Quando chove, a gente fica com medo de ter problemas no trajeto”, disse Helaine. Sua conterrânea Ketlen Belém da Silva, de 16 anos, Almeja uma vaga no curso de biomedicina e, para isso, também precisa fazer a prova em Cocos. Além dos riscos dos caminho, a adolescente cita a carência de transporte como um empecilho.“Fazer as provas em outra cidade torna-se cansativo, trazendo algumas dificuldades. Para quem tem carro próprio, pode ser muito mais prático e menos cansativo. Porém, muitos alunos vão de ônibus e tem que almoçar cedo, por volta das 11 horas”.

Critérios

Procurado pela reportagem, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo Enem, afirmou que utiliza diversos critérios para definir quais cidades terão aplicação dos exames. Entre os indicadores levado em conta estão parâmetros como a quantidade de matrículas no ensino médio (igual ou maior que a mediana da Unidade Federativa); a quantidade de inscritos residentes no município em 2022 (igual ou maior que a mediana da Unidade Federativa); a identificação das cidades-pólo das microrregiões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE); a identificação dos municípios com abstenção acima da média nacional em 2022, que foi de 28,13%; além de fatores geográficos, distância entre municípios circunvizinhos, entre outros.

Segunda etapa

No primeiro domingo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, os candidatos tiveram de se organizar para redigir a redação e resolver questões de linguagens e ciências humanas. Na segunda etapa, amanhã, o desafio é conseguir responder 90 perguntas de matemática, física, química e biologia, em apenas 5 horas. No Enem, dois candidatos podem acertar exatamente o mesmo número de questões, mas tirar notas diferentes. Pode parecer estranho ou injusto, mas a explicação é o modelo de correção adotado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep): Teoria de Resposta ao Item (TRI). A TRI beneficia quem realmente se preparou para o exame. Por exemplo: se alguém acerta as questões mais difíceis, mas erra aquelas consideradas fáceis, tirará uma nota menor do que o aluno que foi mais "coerente" e só errou as complexas. Ou seja, é basicamente um sistema que tenta detectar os "chutes".

Mapeamento da desigualdade

O Estado de Minas mapeou os 188 municípios mineiros com aplicação do exame e os 655 onde não há Enem e cruzou os dados com as populações de cada um no Censo Demográfico de 2022. Na relação, é possível perceber que há cidades com mais de 40 mil habitantes e nenhum ponto de realização de provas, enquanto centros com menos de 3 mil pessoas podem oferecer a possibilidade de seus habitantes realizarem a prova sem cruzar os limites municipais.

Santana do Paraíso, no Vale do Rio Doce, tem 44.800 habitantes e é a maior cidade do estado sem aplicação do Enem. Ela, no entanto, é vizinha de três centros maiores onde a prova é realizada: Coronel Fabriciano, Ipatinga e Timóteo. Os paraisenses têm de viajar mesmo vivendo em um município mais populoso que 112 dos 188 – quase 60% do total – que contam com pontos de realização do exame em Minas Gerais. Carmésia, no Vale do Rio Doce, com apenas 2.605 habitantes, é a menor cidade do estado onde há aplicação da prova. Por lá, apenas 126 candidatos se inscreveram para o Enem.

Machacalis (6.487 pessoas); Inconfidentes (7.301); Lontra (8.790); Virginópolis (10.314); São Romão (10.315); Jacinto (11.042); Andrelândia (11.297); Santa Maria do Suaçuí (12.788); Campos Altos (12.979); Engenheiro Caldas (13.622); Areado (13.881); Ladainha (14.383); e Entre Rios de Minas (14.746) fecham a lista das 15 cidades com menos de 15 mil habitantes em Minas que contam com pontos de realização do exame. Há 62 municípios mais populosos no estado onde não haverá prova.

Cruzada pelo Norte

Com 4,2 mil habitantes, Berizal não tem locais para realização do Enem. Quem mora na cidade deve fazer um trajeto de 70 quilômetros pelo Norte mineiro até Taiobeiras, onde há aplicação da prova. A prefeitura local cede veículos do transporte escolar para cerca de 120 candidatos que se inscreveram no teste. O secretário municipal de Educação de Berizal, Wanderson Alves da Rocha, argumenta que conhece o esforço dos candidatos que precisam se deslocar da cidade de origem para as provas. Formado em Pedagogia, ele conta que conta que se inscreveu para o Enem seis vezes, sempre tendo de deixar sua terra natal para fazer os testes.

“Por mais que a prefeitura se disponha em conceder o transporte para os candidatos nos dias das provas, tem todo um desgaste de sair de casa em horário muito antecipado, para não correr o risco de acontecer algum acidente e não conseguir chegar a tempo”, observa Wanderson.

Ele lembra que nas primeiras edições do exame, os estudantes de Berizal precisam viajar uma distância ainda maior –120 quilômetros até Salinas, pois ainda não havia a aplicação das provas em Taiobeiras. “Por vários anos, quando as provas eram realizadas sábado e domingo consecutivamente, era necessário se hospedar na cidade ou retornar para casa à noite e voltar no outro dia pela manhã novamente . Com certeza, isso implica em desgaste físico e mental que não são favoráveis para se prestar um bom exame”.

Zona rural

Para Roberta Batista Amaral, de 18 anos, viajar para fazer o Enem será mais um estágio de uma vida escolar marcada por percorrer longas distâncias. A estudante, que sonha com uma vaga no curso de Arquitetura e Urbanismo em uma universidade pública, mora no distrito de Barreiros, zona rural de Berizal e passou sua vida escolar tendo de romper os 15 quilômetros que separam sua casa do Escola Estadual João Álvaro Bahia, na área urbana do município.

Neste domingo, assim como no primeiro dia de provas do Enem, ela vai aguardar o ônibus em Barreiros para embarcar rumo a Taiobeiras. O trajeto, ao menos, conta com uma “facilidade” que decorre do fato da comunidade ser cortada pela estrada pavimentada que liga Berizal à cidade vizinha. “Acho que o deslocamento representa dificuldades. O cansaço é certeiro”, afirma Roberta, que espera manter o foco e a concentração para as provas.