FOLHAPRESS - A Segunda Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) condenou a rede de supermercados Atacadão por prática discriminatória de gordofobia e determinou a reintegração de um funcionário demitido, além do pagamento dos salários dos últimos seis anos.
Em nota, o Atacadão afirma que só irá se manifestar "após a publicação da decisão, o que não aconteceu ainda". O caso esteve na pauta do colegiado de 22 de novembro e aguarda a redação do acórdão com a decisão para ser publicado.
A demissão do funcionário foi parar na Justiça em 2017, após ele ter sido dispensado pelo gerente da unidade onde trabalhava, na cidade de São Paulo, sob a justificativa de que, com o excesso de peso, não estaria mais conseguindo lidar com suas funções profissionais e "não servia" mais à empresa.
O trabalhador tem 1,65 m e, na época, pesava mais de 200 quilos, conforme descreve no processo. Segundo ele, o excesso de peso havia lhe trazido doenças como pressão alta, diabetes e depressão, além de problemas cardíacos.
Os problemas de saúde começaram em 2015, quando precisou se afastar por indicação médica. Após esse período, o funcionário conta que passou a ser discriminado e segregado, conforme relatou ao Judiciário. Em 2017, ao ser demitido, contava com 12 anos de trabalho na mesma empresa.
Segundo ele, na demissão, o gerente o informou que o motivo do desligamento era sua saúde, seu estado físico e seu peso. O profissional recorreu então à Justiça Trabalhista em São Paulo, que entendeu não haver prática de discriminação.
TRT
O trabalhador foi ao TRT (Tribunal Regional do Trabalho), onde o caso também foi julgado como improcedente. Nas ações, relatou que o ganho de peso ocorreu durante o período que trabalhava na empresa e que havia a indicação médica para a cirurgia bariátrica, destacando o problema de saúde.
Com a derrota nas instâncias inferiores, o profissional e seu advogado recorreram ao TST. A ministra relatora do recurso, Maria Helena Mallmann, entendeu haver prática discriminatória da empresa, e propôs a condenação por gordofobia, com a reintegração ao emprego e o pagamento dos salários. Ela foi seguida pelos outros ministros da Turma, e a decisão foi por unanimidade.
No julgamento, a ministra afirmou que, além de a obesidade mórbida ser um gatilho para outras doenças, as pessoas obesas enfrentam ainda um grave estigma social. Segundo ela, o estereótipo criado em torno da doença é de que "indivíduos com obesidade são preguiçosos e, portanto, menos produtivos, indisciplinados e incapazes".
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Maria Helena disse ainda que a gordofobia tem sido estudada e está em debate em várias esferas da sociedade. Ela citou pesquisa da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) e da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica) mostrando que 85% das pessoas com obesidade já se sentiram constrangidas por causa do peso.
O que diz a CLT sobre gordofobia?
Embora não haja menção expressa à prática de gordofobia na legislação trabalhista, a ministra ressaltou que tanto a Constituição Federal quanto a Convenção 111 da OIT (organização Internacional do Trabalho) repudiam qualquer tipo de discriminação no trabalho contra demissões arbitrárias.
Maria Helena também destacou que há precedente no TST reconhecendo a discriminação em razão do peso.
A advogada Cíntia Fernandes, especializada em direito do trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, afirma que, de fato, não existe na legislação brasileira artigo específico que trate especificamente de gordofobia, mas a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) assegura "o direito à igualdade e não discriminação no ambiente de trabalho", assim como a Constituição.
"Nesse sentido, o artigo 7º da Constituição, por exemplo, estabelece que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais a proteção contra qualquer forma de discriminação. Já o artigo 373-A da CLT impede a adoção de qualquer prática discriminatória relacionada a salário, promoção, função, entre outros aspectos do emprego", explica.
Cíntia diz que a discriminação por gordofobia pode acarretar pagamento de danos morais. Segundo ela, para provar ter sido vítima de prática do tipo, o profissional precisa ter registros detalhados dos comportamentos discriminatórios na empresa, com datas, descrições e testemunhas.
Documentos como emails e mensagens de texto, e/ou registro em vídeos, devem ser apresentados na Justiça.
No caso julgado, Cíntia afirma que a empresa poderá recorrer dentro do próprio TST se houver alguma decisão diferente em outra turma. Além disso, caso entenda que houve alguma violação constitucional, pode ir ao STF (Supremo Tribunal Federal).
No início dos anos 2010, a Secretaria de Estado da Educação do Governo de SP causou polêmica ao dispensar professores obesos aprovados em concurso público.
Em alguns casos, nos quais ficou comprovado que, ao ser temporário do estado o profissional já era obeso e mesmo assim, havia sido contratado, a Justiça determinou a contratação. Em outros, não foi possível que o profissional assumisse o cargo.