Esper Georges Kallás, diretor do Instituto Butantan  -  (crédito: José Felipe Batista/Comunicação Butantan)

Esper Georges Kallás, diretor do Instituto Butantan

crédito: José Felipe Batista/Comunicação Butantan

Em produção desde 2009, a vacina do Instituto Butantan contra a dengue está em fase final de ensaios clínicos. Em junho, o último paciente voluntário a receber a dose experimental completa cinco anos de acompanhamento, e a previsão do instituto é que o pedido de registro seja submetido para análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já no mês seguinte.

 

Em entrevista ao Correio, o diretor do Butantan, Esper Georges Kallás, deu detalhes sobre a ação do imunizante que será o primeiro contra a dengue com dose única, resultado de um empenho de décadas. Batizada de Butantan-DV, a vacina apresentou uma eficácia de quase 80% e protege contra os quatro sorotipos da doença. "A gente torce para que ela esteja disponível até o começo do ano que vem, mas vamos trabalhar para ser antes disso", afirma.

 

 

O médico infectologista diz estar otimista também em relação à vacina da chikungunya, que, segundo ele, pode chegar ao Sistema Único de Saúde (SUS) antes do imunizante contra a dengue. Ele avalia ainda a queda da cobertura vacinal no país e a importância da produção de imunizantes nacionais. Confira a entrevista completa:

 

Para um país que praticamente universalizou o acesso a vacinas nas últimas décadas, como o senhor avalia a queda dos indicadores de imunização nos últimos anos?

É multifatorial, há várias coisas envolvidas, vem acontecendo mais ou menos desde 2016. O processo de desmobilização dos nossos programas de imunização se dá por razões múltiplas: crises econômica, política e financeira, seguidas de políticas públicas que receberam uma interferência muito grande durante a pandemia. Há uma culpa da gestão, da conscientização e da pandemia em si. A emergência levou à adoção de medidas que eram diferentes das que estávamos habituados. Trouxe, de certa forma, um pouco de insegurança no debate, forçada pela polarização política.

 

 

O senhor pode exemplificar?

Há números que trazem muita preocupação. Eu partiria do exemplo da vacina da influenza que, no Brasil, é administrada para pessoas acima de 60 anos. O país tinha cobertura de quase 100%. Depois da pandemia, a gente está beirando a metade desse percentual. Uma mistura de fatores levou a isso e estamos perdendo um espaço muito grande de proteção.

 

O Brasil bateu o recorde histórico de mortes por dengue neste ano. Como o avalia essa explosão? Os governos demoraram para agir?

O primeiro comentário é sobre o número de pessoas que morreram em decorrência da doença. A gente tem, de fato, um valor recorde, mas, quando dividimos o número de mortes pelo número de casos, esse valor não é o mais alto. A relação de mortes por casos registrados é menor do que a média que a gente costuma ter. No estado de São Paulo, cujos dados eu conheço melhor, essa relação é impressionante. Temos quatro vezes mais casos de dengue com o mesmo número de mortes do ano passado.

 

 

O que aconteceu?

Nem o pior pessimista esperava que a gente tivesse tantos casos assim. É difícil atribuir somente a um desleixo no cuidado da prevenção do controle do vetor, o mosquito Aedes aegypti. Tem outros fatores. Se olharmos com bastante racionalidade, vamos perceber que existe um que desponta, que é o aumento da temperatura que a gente experimentou no fim do ano junto com o fenômeno El Niño. Houve uma alteração climática e esse comportamento, que é totalmente distinto dos anos anteriores, aliado ao aumento de casos a partir do fim de dezembro, é algo que chama muito a atenção.

 

A vacina da dengue do Instituto Butantan mostrou eficácia de quase 80%. Como avalia esse resultado?

Ficamos muito felizes com o resultado, foi um trabalho enorme feito por 16 centros de pesquisa espalhados pelo país sob a coordenação do Instituto Butantan. Faço um agradecimento muito especial aos quase 17 mil voluntários, toda a equipe do Butantan de produção, de avaliação de dados, de avaliação clínica, o resultado foi extraordinário. Esse trabalho é reconhecido como um dos principais deste ano na área de vacinas no mundo todo.

 

 

O que ainda falta para que a vacina possa ser ofertada nos postos de saúde?

Nós temos ainda a tarefa de continuar conseguindo voluntários até completar os cinco anos. Isso vai terminar em julho, e já estamos conversando com a Anvisa. Temos reuniões regulares com eles, que foram sensibilizados pela situação de emergência que estamos vivendo. A Anvisa abriu esse canal de discussão com o Instituto Butantan, para responder todas as questões e necessidades que a gente tem que incorporar ao processo de produção da vacina para ter o seu registro reconhecido pelo órgão regulador. Quem está olhando de fora fala: isso é uma coisa simples, você manda e, no dia seguinte, eles respondem. Não é assim.

 

Dá para comparar com a vacina que já está sendo usada no Brasil?

A vacina que está sendo usada aqui no país teve resultado parecido com o do Butantan, publicado em fevereiro. A Qdenga foi publicada em março de 2019 e só foi aprovada em março do ano passado. Quer dizer, demorou quatro anos entre a conclusão dos resultados preliminares do estudo e a aprovação pela Anvisa. A gente está tentando bater um recorde extraordinário, quer dizer, conseguir tramitar todos esses processos em um período de poucos meses. Quanto antes a gente conseguir fazer, melhor. A Anvisa está sensível a isso, e o Butantan está trabalhando duro também.

 

 

A vacina estará disponível ainda neste ano?

A gente torce para que seja até o começo do ano que vem, mas vamos trabalhar para ser antes disso. Tem outras etapas do processo regulatório para ela ser incorporada, que se seguem ao licenciamento do uso da vacina. Esperamos que tudo isso ocorra rapidamente, torcemos para que a vacina já esteja disponível no primeiro semestre de 2025, estamos trabalhando para isso. Mas nós apreciamos e respeitamos enormemente todos os prazos regulatórios que são exigidos para que possamos entregar o melhor produto possível.

 

A Butantan-DV pode erradicar as infecções de dengue no Brasil futuramente?

Depende de vários fatores, mas o principal é quanto que a gente consegue fazer de cobertura vacinal. Tem um conceito chamado imunidade coletiva que, a partir de um certo percentual, o vírus da dengue começa a ter dificuldade para circular. A gente não sabe ao certo qual é esse percentual de pessoas que precisam ser vacinadas para que isso possa acontecer na dengue, mas acho que é um número que a gente vai entender melhor à medida que a gente começar a utilizar a vacina. Se esse número não for tão alto, é possível conseguir um arcabouço de bloqueio com a imunidade induzida pela vacina na população que impeça o vírus de ser transmitido com tanta facilidade como é hoje.

 

 

O senhor foi um dos coordenadores da pesquisa da vacina Butantan-DV, esteve acompanhando o processo desde o início. Também vivenciamos recentemente a pandemia da covid-19. Qual é a importância das vacinas nacionais?

Não tem nem como quantificar a importância disso. Traz para o país autossuficiência, protagonismo, capacidade de desenvolvimento local, recursos, investimento e desenvolvimento tecnológico. Cria uma coisa que é estratégica para qualquer país, uma forma de ter o nosso complexo industrial da saúde instalado, bem desenvolvido e cada vez produzindo mais para trazer novos produtos ao país, ser um polo. Isso é formidável. Se amanhã, por exemplo, tiver uma pandemia pelo vírus da gripe aviária, nós não vamos ficar sentados esperando outros países mandarem. A gente tem que criar nossas próprias soluções.

 


Como está a vacina contra a chikungunya? Que novidades estão em desenvolvimento?

Sem dúvida, há boas notícias. A vacina da chikungunya é um exemplo. Talvez chegue até mais cedo do que a vacina da dengue. Nós estamos nessa fase final. Um primeiro pacote já foi submetido para a Anvisa, que fez uma primeira revisão e trouxe perguntas. Nós estamos respondendo, e a coisa está indo muito bem. Estamos muito satisfeitos com o desenvolvimento da vacina da chikungunya. Quem sabe a gente tenha surpresas muito boas até o fim do ano. Nós estamos desenvolvendo também a vacina contra a gripe aviária. Embora não tenha casos de transmissão entre humanos, é uma ameaça pandêmica, e nos antecipamos. Temos muitos outros produtos em desenvolvimento por aqui. Não vamos parar nunca, vamos continuar trabalhando, buscando novas soluções, trazendo o máximo de contribuições possíveis, abrindo parcerias nacionais e internacionais. Ciência não tem fronteira, nós temos que trabalhar juntos e, se tudo correr bem, sempre trazer boas notícias para a população brasileira.