"Olá, Martha! Esperamos que esteja bem! Viemos aqui hoje trazer uma notícia do seu plano de saúde. Por decisão da sua operadora, Unimed Nacional, e apesar de todos os nossos esforços para a manutenção da sua permanência, ele será cancelado a partir de 1° de maio de 2024."

 

Foi por meio dessa mensagem, da administradora de benefícios Qualicorp, que o engenheiro mecânico João Treco Filho soube, no dia 28 de março, que o plano de saúde da mãe dele, Martha Zequetto Treco, seria rescindido pela operadora 32 dias depois. Martha tem 102 anos.

 



 

A idosa é beneficiária do sistema Unimed desde 2009, paga atualmente uma mensalidade de R$ 9.300 por um plano coletivo por adesão. Por lei, o contrato pode ser rescindido de forma unilateral e injustificada, por vontade da operadora ou do cliente, desde que haja um comunicado com o prazo de 60 dias.

 

Atualmente, Martha precisa de cuidados em casa devido a uma infecção bacteriana resistente, adquirida na última internação hospitalar, que demanda antibiótico na veia. Ela também tem dificuldades para engolir e para se locomover e, no momento, investiga uma suspeita de tumor de mama.

 

"Sempre pagamos pontualmente o convênio médico. De uns anos para cá, ele passou a nos aterrorizar, com reajustes abusivos. Depois, descredenciou os principais hospitais que utilizávamos. Agora, simplesmente decidiu descredenciá-la", diz o filho.

 

Ele afirma que tentou, sem sucesso, reverter a rescisão ligando para a Qualicorp, incorporadora do plano de saúde, e para a Unimed. "A Qualicorp disse que não tinha o que fazer, que era uma decisão da Unimed. E a Unimed alegou ter direito a rescindir o contrato. Não ofereceram nenhum plano alternativo. Procuramos outros corretores e a resposta foi a mesma: não há nada mais para ela", afirma Treco Filho.

 

Após a reportagem da Folha procurar a operadora para ouvi-la sobre a decisão de cancelamento, a ouvidoria da Unimed telefonou para Treco Filho na manhã desta segunda (15), informando que o plano de Martha será mantido. Ele ainda aguarda a confirmação oficial por e-mail.

 

Também nesta segunda, a família obteve uma liminar na Justiça garantindo a permanência da idosa no plano. "Até porque eles podem recuar hoje, e amanhã cancelarem a minha mãe novamente", afirma.

 

 

Em nota, a Unimed Nacional informou que cumpre rigorosamente a legislação e as normas que regem os planos de saúde, e que as rescisões de planos coletivos por adesão estão previstas e regulamentadas pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar)

 

"Jamais são feitas de maneira discricionária ou discriminatória e não são decididas mediante análise individual de cada integrante da entidade com a qual o acordo é celebrado. Elas ocorrem de forma coletiva, dentro das condições estabelecidas em contrato, e são comunicadas previamente às administradoras, sendo estas as encarregadas de avisar e oferecer outras opções aos seus clientes."

 

Casos como o de Treco podem ser reavaliados, diz a Unimed. "O plano de saúde dela está ativo e já entramos em contato com os seus familiares para garantir que todas as informações fossem esclarecidas de forma abrangente e satisfatória. A nossa ouvidoria está sempre à disposição. Asseguramos que nos empenhamos em resolver qualquer dúvida de nossos clientes."

 

Também em nota, a Qualicorp reforçou que, "na condição de administradora de benefícios, após ser notificada do cancelamento pela operadora, apoia seus beneficiários disponibilizando informações e orientações sobre os direitos e possibilidades de portabilidade".

 

Queixas de beneficiários por cancelamento ou suspensão de planos coletivos por adesão, como o de Martha, vem aumentando na ANS desde outubro do ano passado.

 

Das 3.848 reclamações de 2023, 1.317 foram no último trimestre do ano. O número representa uma alta de 54% em relação ao três últimos meses do ano anterior (856).

 

A Folha de S.Paulo solicitou na última sexta (12) números do primeiro trimestre deste ano à ANS, mas ainda não recebeu as informações. Assim que as obtiver, a reportagem será atualizada.

 

Escritórios de advocacia também registram crescimento na procura de clientes para o ingresso de ações judiciais contra essas decisões. No escritório Vilhena Silva, um dos maiores na área da saúde, a alta foi de 183% nos três primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período de 2023 (42 contra 119).

 

Só na última semana, mais de dez clientes procuraram o escritório com a intenção de ingressar com ações após receberem comunicado de rescisão unilateral e imotivada de seus contratos, segundo o advogado Rafael Robba, sócio do escritório.

 

Ele afirma que idosos e pessoas doentes têm sido as principais vítimas dessas rescisões unilaterais, embora haja um entendimento no STJ (Superior Tribunal de Justiça) de que pessoas doentes, que estão em tratamento necessário para resguardar suas vidas ou a sua saúde, não podem ter o plano cancelado.

 

A médica Marina Bacal de Campos Melo Oksman, 40, diz que foi avisada que seria descredenciada pela Porto Seguro após um período de muita utilização do plano. Em outubro passado, ela foi diagnosticada com uma doença genética neuromuscular, que demandou 23 dias de internação, sendo 11 na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), e muitas sessões de hemodiálise, de fisioterapia e de terapia ocupacional.

 

No mês passado, ela recebeu o aviso da rescisão unilateral do seu plano coletivo empresarial com três vidas (ela e os dois filhos). "O plano alega que tem o direito de fazer uma rescisão imotivadamente. Não é imotivadamente. Enquanto eu não tinha doença nenhuma, nunca tive problema. Agora, com a doença e usando muito o convênio, eu não sirvo mais."

 

Após ingressar na Justiça, ela perdeu na primeira instância. A juíza entendeu que, conforme previsão contratual, o plano tem o direito ao cancelamento unilateral. Ela recorreu da decisão e ganhou na segunda instância o direito de permanecer na Porto. "Mas continuo muito insegura, não sei o que vai acontecer."

 

Em nota, a Porto Seguro informou que atua dentro das regras estabelecidas nos contratos firmados com as empresas clientes observando as cláusulas contratadas.

 

Para a advogada Marina Magalhães, pesquisadora do programa de saúde do Idec (Instituto de Defesa Consumidor), apesar de prevista na lei, a rescisão unilateral e imotivada é abusiva e fere tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto o Código Civil.

 

"Um dos princípios que regem os contratos é a boa-fé. Esses casos em que o consumidor paga 30 anos um plano e, quando adoece e precisa de tratamento, é cancelado, se caracteriza um claro caso de má-fé."

 

Segundo ela, além da rescisão de contratos coletivos por adesão, tem sido muito comum o cancelamento dos planos empresariais com até 29 vidas, os chamados "pejotinhas". "Quando uma pessoa da carteira adoece, isso se torna financeiramente ruim para a operadora e ela cancela o contrato de todo mundo."

 

Ela acredita que a questão deveria estar mais bem regulamentada na ANS ou pelo Legislativo. Na Câmara dos Deputados, há um projeto de lei que prevê o fim da rescisão unilateral dos contratos coletivos, mas a tramitação está parada.

 

Robba também defende uma nova regulação para essas modalidades de planos coletivos. "Hoje, nesse modelo de contrato, ninguém tem garantia que vai poder usar o plano de saúde quando adoecer. O plano de saúde tem uma permissão de expulsar o consumidor quando ele adoece."

 

Em notas, as entidades que representam os planos de saúde e as seguradoras de saúde (Abramge e Fenasaúde) informam que a rescisão unilateral de contratos coletivos de planos de saúde é uma possibilidade prevista em contrato e nas regras setoriais definidas pela ANS.

 

"Quando acontecem, as rescisões são comunicadas com antecedência aos beneficiários e jamais são feitas de forma discricionária, discriminatória ou com intuito de restringir o acesso de pessoas a tratamentos", diz a Fenasaúde.

 

A Abramge lembra que há regras a serem cumpridas em casos de rescisão unilateral. Por exemplo, se algum beneficiário ou dependente estiver internado, o atendimento deve ser mantido até a alta hospitalar. Procedimentos autorizados na vigência do contrato também devem ser cobertos pela operadora.

 

A ANS diz que em casos de rescisão contratual, a operadora tem obrigação de informar sobre a possibilidade de contratação de outro plano de seu catálogo ou em outra operadora com a portabilidade de carências.

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