Enchente em Encantado, RS, ontem. Mais de 19 mil habitantes foram afetados pelas chuvas e, desse total, 3.416 ficaram desabrigados -  (crédito: Gustavo Ghisleni/AFP)

Enchente em Encantado, RS, ontem. Mais de 19 mil habitantes foram afetados pelas chuvas e, desse total, 3.416 ficaram desabrigados

crédito: Gustavo Ghisleni/AFP

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), classificou as chuvas que o estado enfrenta desde segunda-feira como o "maior desastre" já enfrentado. A fala ocorreu durante coletiva de imprensa realizada, ontem, para atualizar a situação do temporal no estado. De acordo com a Defesa Civil, pelo menos, 10 mortes foram registradas e outras 21 pessoas seguem desaparecidas.

 

 

Ao todo, 114 municípios foram atingidos, afetando mais de 19 mil gaúchos, dos quais 3.416 ficaram desalojados e outros 1.072 estão em abrigos. "Infelizmente, esse será o maior desastre que o nosso estado já enfrentou, maior que o do ano passado. A diferença do que aconteceu no ano passado, em setembro, no Vale do Taquari, é que nós tivemos uma enxurrada e, em seguida, o tempo nos deu condições de entrar em campo para salvar centenas de vidas. Nesse momento, nós estamos tendo muitas dificuldades operacionais para colocar as equipes em campo", alertou Leite. Mais de 60 estradas gaúchas foram bloqueadas por conta dos alagamentos e risco de deslizamento. Assim, a maioria dos resgates ocorre por via aérea.


O governador afirmou que o ocorrido deve devastar mais áreas do que as chuvas do ano passado. Os meteorologistas da Defesa Civil do RS informaram que, até o momento, o volume de chuva superou 500mm nos últimos três dias. A perspectiva é que os temporais continuem ocorrendo até amanhã no estado, com volume pluviométrico entre 150mm e 200mm.

 


"Estamos com muita dificuldade nos resgates. Os locais são muito mais dispersos do que antes (ano passado), os helicópteros estão com dificuldade (de voar) pelas chuvas e descargas elétricas", disse o governador. Segundo ele, até o momento foram realizados 913 resgates. Duas aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) foram enviadas pelo governo federal para auxiliar nas operações. Elas trabalharam ontem nas cidades de Candelária, Santa Cruz do Sul e Sinimbu, onde a situação está mais crítica. De acordo com a FAB, em uma das ações de apoio, uma família que estava ilhada em uma casa com risco de desabamento (água entrando na casa) foi resgata por meio de içagem.

 

Apoio nas buscas

 

Eduardo Leite reforçou pedido de ajuda ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já havia sido solicitado nas redes sociais na terça-feira (30). Segundo ele, Lula ordenou apoio do governo federal nas ações estaduais e visita na manhã de hoje o estado. Em setembro, na última enchente no estado sulista, o presidente foi altamente criticado, após enviar o vice Geraldo Alckmin para visitar a região, enquanto estava em viagem internacional.

 

Está previsto ainda o reforço de oito helicópteros da FAB, que já estão preparados para ir ao RS, mas que ainda não puderam decolar por conta do mau tempo, segundo o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. "Outra coisa é o seguinte, nós vamos colocar no Rio Grande do Sul quantos homens forem necessários para ajudar. Não tem limite para a gente colocar não. Se for só 30, sabe, nós vamos mandar, 60, 90, 100", afirmou Lula.

 

 

O governador gaúcho espera que, para além de ajudar a equipe estadual, o presidente ordene que as Forças Armadas tenham "liderança e coordenação efetiva" no controle do desastre ambiental. "Precisamos da participação e liderança daqueles que têm treinamento de caos e de guerra, como o que estamos vivenciando neste momento no RS", afirmou Leite. Outros estados, como São Paulo, Santa Catarina e Paraná também enviaram ajuda para realizar as operações de salvamento.

 

Em nota, a Marinha do Brasil lamentou o ocorrido no RS e informou que, na noite de ontem, enviou duas equipes, duas embarcações e duas viaturas para a região de Roca Sales, Lajeado, Marques Souza e Candelária para prestarem apoio às ações de defesa civil e à equipe do Corpo de Bombeiros no resgate da população isolada pelas chuvas. Também foram destinadas duas aeronaves para darem suporte à população.

 

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu alerta vermelho para chuvas de mais de 100mm/dia, ventos de até 100km/h e risco de deslizamentos no RS. Já o Climatempo estima que os volumes de chuva podem ultrapassar os 300mm, podendo chegar até a 400 mm. Devido à previsão alarmante, o governo estadual cancelou as aulas em todas as escolas até, pelo menos, amanhã, bem como decidiu a reitoria da Universidade Federal de Santa Maria.

 

Falta de recursos é recorrente

 

Apesar de ter sido intensificado pelo fenômeno El Niño, os desastres ambientais no Rio Grande do Sul já tinham reflexos que podiam ser minimizados, se não fosse a falta de investimento na área da Defesa Civil, tanto pelo estado quanto pelo governo federal.

 

Na transição de gestão do ex-presidente, Jair Bolsonaro (PL), o orçamento previsto para obras emergenciais, redução e mitigação de desastres naturais foi reduzido.

 

Para "obras emergenciais de mitigação para redução de desastres", do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), o valor passou de R$ 2,8 milhões para menos de 1% — R$ 25 mil. Também houve um corte de 94% para "execução de projetos e obras de contenção de encostas em áreas urbanas" — o recurso saiu de R$ 53,9 milhões para R$ 2,7 milhões em 2023.

 

A contenção de recursos para o combate de desastres naturais também foi registrada, em nível estadual, entre o primeiro e o segundo mandato do governador Eduardo Leite (PSDB). De acordo com a bancada do Partido Trabalhista (PT), na Assembleia Legislativa, o orçamento de 2023 da Defesa Civil do RS, de R$ 2,6 milhões, foi cerca de 25% menor do que o de 2015, considerando a correção do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial.


 

 

Segundo o grupo, na prática, essa diminuição da verba resultou na "diminuição das estruturas no interior e menor capacidade de reação do órgão". Vale lembrar que o estado passou por outra enchente no ano passado, que deixou cerca de 50 mortes.


Já no orçamento deste ano, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva cortou R$ 446,5 milhões do Ministério da Defesa, que fornece ajuda das Forças Armadas para o resgate em enchentes, alagamentos e deslizamentos, além de possuir maquinário próprio para realizar esse tipo de operação. (MS)