Além de várias plantações ficarem submersas, armazéns de arroz foram alagados em Eldorado do Sul (RS) -  (crédito:  Nelson ALMEIDA/AFP)

Além de várias plantações ficarem submersas, armazéns de arroz foram alagados em Eldorado do Sul (RS)

crédito: Nelson ALMEIDA/AFP

Por Pedro José* e Maria Beatriz Giusti*

 

A produção da soja ganhou espaço no Rio Grande do Sul na última década e a expansão dessa monocultura pode estar relacionada com o aumento das cheias no estado, porque o desmatamento pela soja altera os processos hídricos naturais da região, de acordo com especialistas.

 

Conforme dados do Map Biomas, a vegetação nativa dos Pampas teve seu espaço reduzido em 22% pela ampliação do cultivo da soja em 2022.

 

 

"A produção de soja teve uma expansão violenta na última década e começou a ocupar áreas que eram tradicionalmente alagadas, mas tinham a mata para reter essa água", afirma o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Niederle. "Mesmo a soja sendo um plantio direto, ou seja, que tem uma cobertura de palha no solo, ela não tem a capacidade de retenção da água que a vegetação nativa tem."

 

 

De acordo com Niederle, o desmatamento em encostas de morro e nas faixas próximas aos rios são os que mais contribuem para o aumento das inundações. "O processo de aplainar o solo perto dos morros, isto é, cortar o morro onde tinha floresta para que seja possível entrar com a soja, promove o alagamento, inclusive, da produção", explica. Segundo ele, houve uma redução significativa das faixas de conservação das matas ciliares, próximas aos rios, devido ao avanço das plantações de soja. E, quando a chuva bate nessas áreas, escorre muito rápido para os rios e vai levando toda a terra junto.

 

 

Os Pampas, único bioma do RS, sofreu alterações irreparáveis e teve 24,3% de sua vegetação perdida desde 1985, segundo a mesma pesquisa do Mapa Biomas. O crescimento de áreas produzindo soja no estado foi de 4,99 milhões de hectares ocupados por soja, de 1985 a 2022, totalizando 6,3 milhões de hectares.

 

 

Doutora em biologia e oceanografia, Patrícia Eichler-Barker diz que os impactos no solo prejudicam diretamente o ciclo hidrológico da região. "A vegetação nativa desempenha um papel vital na regulação dos ciclos hidrológicos que umedecem o solo e recarregam os aquíferos. A substituição da mata pela soja altera esse processo e resulta no maior escoamento superficial e na menor infiltração de água no solo", destaca. Ela ressalta que produção monocultural de soja aumentou significativamente no país inteiro e, no Rio Grande do Sul, as enchentes foram, em parte, consequência dessas mudanças no plantio. "Não creio que o Brasil consiga continuar sustentando a monocultura seja de soja, milho ou arroz, nessa expansão e com esses sistemas que adotamos, sem contribuir com o problema da crise climática", lamenta.

 

 

O Brasil, devido à forte monocultura de soja, representa quase 50% da produção do grão no planeta, com 154,5 milhões de toneladas. No mundo inteiro, a produção é de 369 milhões de toneladas. A bióloga ressalta que a substituição do solo nativo por soja pode resultar também na perda da biodiversidade, que leva junto a extinção de espécies, e a erosão altera o ciclo ecológico da vegetação.

 

*Estagiários sob a supervisão de Rosana Hessel