O assassinato do indigenista brasileiro Bruno Pereira — que era especialista em povos originários que vivem em isolamento no território nacional — e do jornalista inglês Dom Phillips completa, nesta quarta-feira (5/6), dois anos. A data, que coincide com o Dia Mundial do Meio Ambiente, marca as perdas das vidas de ambos na reserva indígena Vale do Javari, no oeste do Amazonas.
De acordo com declarações à Polícia Federal feitas por Amarildo da Costa Oliveira — um dos acusados de envolvimento no crime — as mortes ocorreram porque as duas vítimas desafiavam interesses ilícitos de grupos da região que devastam a floresta. Foi comprovado, por exemplo, que Pereira recebia ameaças de madeireiros, garimpeiros e de pescadores ilegais. O Correio Braziliense entrou em contato com 12 ambientalistas para saber o que enfrenta quem se dedica à proteção da Amazônia. A maioria se recusou a falar por medo de retaliações.
O analista ambiental do Instituto Chico Mendes, João Madeira, contou que muitas atividades que põem em risco a fauna e a flora da região são realizadas por alguns integrantes de setores com poder econômico e político.
"Há muita violência contra ambientalistas no Brasil, sobretudo quando atrapalham planos de poderosos, que podem ser ligados a empresas do agronegócio, da mineração ou de atividades explicitamente ilegais, como tráfico de madeira, grilagem de terras, por vezes, atualmente, com participação do crime organizado", acusou.
O Brasil teve destaque nos assassinatos de ambientalistas na última década. Segundo dados da Global Witness — que monitora esses crimes —, entre 2012 e 2021, das 1.733 mortes registradas globalmente, 342 ocorreram no país, quase 20% do total.
- Enchentes no RS: mudança climática dobrou chance de chuvas no estado
"No Brasil, quando alguém se levanta contra algo que prejudica o ambiente ou sua comunidade, é automaticamente ameaçado e perseguido até a morte", lamentou o ativista ambiental Luis Martínez.
Intimidação
A afirmação de Martínez encontra comprovação no caso do jornalista João Paulo Guimarães. Ele disse haver sofrido atos de intimidação e violência, após a publicação de materiais para veículos de imprensa em que denunciou abusos contra a natureza na região norte.
"Eu fui ameaçado de morte. Mandaram foto da minha filha e mensagens dizendo 'vai morrer'. É uma ameaça real. O risco existe. Às vezes tenho que escolher entre fazer uma matéria para ajudar uma comunidade (amazônica) ou passar esse tempo em segurança com a minha filha", revelou.
Guimarães acusou que a situação é mais grave em áreas remotas devido a uma menor presença do Estado. "Em Manaus é uma coisa, no meio da mata é outra. (Na floresta) há garimpo e extrativismo ilegal, tráfico de drogas, desmatamento, incentivo às queimadas, o corte ilegal da madeira", denunciou.
Proteção
A deputada federal Célia Xakriabá (PSol-MG) disse que boa parte das vítimas, por enfrentarem esses problemas há séculos, são os povos indígenas. Isso, segundo ela, justifica a resistência dos povos indígenas em sua luta pela demarcação de terras em benefício do futuro brasileiro. "Somos a principal fronteira para que a destruição não chegue com tanta força", ressaltou.
De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, esforços estão sendo intensificados para proteger defensores ambientais, comunicadores e demais pessoas empenhadas e assegurar os direitos humanos em áreas amazônicas em risco.
- Tragédia no RS: o que o Projeto HAARP tem a ver?
A pasta explicou, por nota, que as ameaças não se limitam à integridade física dos ameaçados. Elas incluem a criminalização e desqualificação do trabalho que elas realizam, uma das principais agressões às ações que desempenham.
* Estagiária sob a supervisão de Manuel Martínez