Uma vítima de estupro que teve aborto legal negado em hospitais da cidade de São Paulo disse que um dos médicos que a atendeu a forçou a saber o sexo do bebê, apesar de ela não ter dado consentimento. A declaração foi dada em entrevista à GloboNews.
Mulher procurou hospitais da capital para realizar aborto após descobrir que estava grávida em decorrência de um estupro. Ela buscou o procedimento com 26 semanas de gestação, mas quatro hospitais de São Paulo se recusaram a fazer o aborto.
No Brasil, o aborto não é crime em três casos: gravidez decorrente de estupro, risco de morte da mãe e feto anencefálico. Não há limite de idade gestacional.
Além das sucessivas negativas, em um dos hospitais, um médico revelou o sexo do bebê, apesar dos pedidos da mulher para não saber. "Ele (médico) me perguntou se eu queria saber o sexo do neném. Mesmo ele sabendo que era de violência sexual, ele falou: 'mas você não quer saber? Assim você já vê um nome, caso você não consiga (fazer o aborto)'. E eu falei: 'não, não quero saber.' E mesmo assim, ele falou [o sexo]. Foi muito difícil", declarou a vítima à GloboNews.
O episódio aconteceu na terça-feira (25/6), no Hospital Municipal do Campo Limpo, na Zona Sul da cidade. Ainda segundo a vítima, ela buscou outro hospital para que pudesse realizar o procedimento, mas ouviu dos funcionários que "não tem nenhum" na cidade que faça aborto em vítimas de violência sexual.
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TJ-SP determinou que a prefeitura realize o procedimento abortivo. Na quinta-feira (27/6), o Tribunal de Justiça de São Paulo expediu ordem para que a gestão municipal indique o local e a data para que a mulher possa ser submetida ao aborto legal.
Multa em caso de descumprimento. A Justiça também estipulou o pagamento de multa diária de R$ 50 mil caso a prefeitura não cumpra a determinação. A informação foi divulgada pela GloboNews e confirmada pela reportagem.
Aborto é legalizado no Brasil em caso de estupro. A legislação brasileira determina que a mulher violentada sexualmente pode recorrer ao aborto legal em qualquer período da gestação. Recentemente, a Câmara dos Deputados quis aprovar lei para punir a mulher estuprada que abortasse após 22 semanas, mas o projeto está parado após a repercussão negativa.
A reportagem tentou contato com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo para saber se a decisão do TJSP foi cumprida, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.
Hospitais se negaram a fazer o aborto
Hospitais da rede pública da capital paulista se negaram a fazer o aborto garantido por lei a uma vítima de estupro. A primeira recusa aconteceu no dia 14 de junho, no Hospital da Mulher, considerado referência em atendimento a vítimas de violência sexual. Na ocasião, os profissionais informaram que a mulher estava grávida havia 24 semanas.
Em 18 de junho, ela tentou fazer o procedimento no Hospital Municipal Tide Setúbal, na zona leste, mas foi negado. A mulher recorreu ao Hospital Municipal do Tatuapé, também na zona leste, e foi informada que não havia profissionais para realizar o procedimento.
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No dia 20 de junho, a Defensoria Pública de São Paulo recomendou que o aborto fosse feito no Hospital do Campo Limpo, mas a unidade se recusou. À GloboNews, a mulher contou que uma psicóloga da unidade chegou a recomendar que ela fizesse pré-natal.
"Foi muito frustrante, eu saí de lá chorando. Eu só estou querendo uma coisa que eu tenho direito por lei, eu não quero nada mais do que isso. O que passei, eu não quero que outra pessoa passe também não quero que outra pessoa escute isso. Porque já é um caminho muito, muito difícil de ser percorrido. Então eu queria ser acolhida, só isso é muito difícil", declarou a vítima.
A assistolia fetal é recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e protocolos internacionais em interrupções de gravidezes superiores a 20 semanas. Consiste na injeção de produtos químicos no feto dentro do útero, para evitar que ele seja expulso com sinais vitais, prevenindo desgaste emocional dos pacientes e dos médicos.
Nesta semana, a Prefeitura de São Paulo enviou um ofício ao STF dizendo que aconteceram 68 abortos legais na cidade entre janeiro e junho. Desses, 4 aconteceram após as 22 semanas de gestação.
Moraes considerou a resposta insuficiente. O ministro deu mais 48 horas para que a prefeitura explique se negou a realização de abortos dentro dos casos previstos em lei. Até o momento, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) ainda não respondeu.