Cartazes usados em manifestação contra a violência contra as mulheres, em São João do Meriti, no RJ
       -  (crédito:  Eduardo Anizelli/Folhapress)

Cartazes usados em manifestação contra a violência contra as mulheres, em São João do Meriti, no RJ

crédito: Eduardo Anizelli/Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Primeira norma jurídica no país que criminalizou a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha completa 18 anos em vigor nesta quarta-feira (7) com desafios à sua aplicação e risco de retrocesso.

 

Ao longo de quase 20 décadas, a legislação resultou em cerca de 2,3 milhões de decisões de medidas protetivas, sendo 69,4% favoráveis ao pleito das vítimas em se manterem distantes de seus agressores. Por outro lado, 6,6% dos pedidos foram rejeitados e 13,9%, revogados, de acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

 

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Até 2009, os crimes de violência sexual eram enquadrados na lei contra os costumes, não como hoje, um crime contra a dignidade humana. "No momento, a busca é pela criação de uma lei integral de proteção às mulheres em situação de violência. Alcançar a eficácia das normas é o maior desafio", diz a advogada Silvia Pimentel, integrante do grupo de juristas que redigiu o texto da lei.

 

 

Apesar de a Maria da Penha ter criado 11 serviços de apoio à mulher vítima de violência, entre eles, rondas feitas por guardas-civis nos municípios e a criação de juizados especiais, sua aplicação ainda hoje é desafiada pela falta de fiscalização das medidas protetivas, principalmente em cidades afastadas dos grandes centros urbanos e em áreas dominadas pelo crime organizado.

 

"Isso faz com que a lei não chegue a contento para as mulheres do interior, periféricas e indígenas, a maioria negra, que enfrentam problemas estruturais, como a presença de facções criminosas e milícias. Nesses lugares, o tráfico não aceita a violência doméstica e toma próprias atitudes para banir os casos", diz a advogada Myllena Calasans, integrante do Consórcio Lei Maria da Penha. "Ao mesmo tempo que a mulher fica protegida do agressor dentro de casa, pode sofrer violência desse poder paralelo que também a inibe de acionar o estado", continua.

 

 

A inovação da lei ao longo dos anos incluiu a criação de um botão do pânico para smartphones conectados a centrais policiais e uso de tornozeleira eletrônica pelos agressores. Todo esse aparato, porém, não é acessível à maioria das mulheres. "Isso ainda é uma deficiência da implementação e exige compromisso dos estados e municípios, para se tornar uma política prioritária", diz a advogada.

 

Além disso, a Terceira Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) discute a natureza jurídica das medidas protetivas de urgência e se devem ter um prazo de vigência predeterminado. O recurso passou a ser julgado após o Ministério Público de Minas Gerais pedir validade indefinida de medida protetiva concedida em um processo de violência doméstica. A Justiça havia fixado validade de até 90 dias.

 

O STJ discute se as medidas protetivas de urgência devem ser consideradas de natureza penal. Atualmente, o recurso é decidido com base no Código de Processo Civil sem necessidade de se instaurar um processo penal, o que pode comprometer a celeridade dos processos em casos graves.

 

 

A possibilidade é considerada um retrocesso na aplicação da lei, segundo a advogada Myllena. "A Justiça pode chegar a exigir a elaboração de um boletim de ocorrência para a medida protetiva ser validada", diz.

 

O CNJ constatou em 2022 que 30% dos pedidos de medida protetiva são concedidos após o prazo máximo de 48 horas, em desacordo com a Lei Maria da Penha.

 

A possível mudança sobre a natureza jurídica é preocupante porque as vítimas ainda sofrem com a relativização institucional da violência quando procuram delegacias e demais órgãos públicos. "Muitas mulheres não têm atendimento qualificado", diz a advogada.