Gasto real do sistema INSS subiu 8,3% quando se compara o fechamento de 2023 com o de 2022 -  (crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

INSS desmentiu que 800 mil idosos perderão suas aposentadorias porque realiza uma revisão apenas de benefícios temporários

crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Em julho de 2024, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) anunciou que revisará 800 mil cadastros de pessoas que recebem benefícios temporários. Esse "pente-fino" levou ao compartilhamento da alegação de que há uma lista de 800 mil idosos que terão seus salários cortados.

 

Essa afirmação, que acumulou mais de 25,4 mil interações nas redes sociais desde 8 de outubro, é enganosa: a revisão dos benefícios citados é prevista em lei e tem como objetivo verificar fraudes e pagamentos indevidos. Por isso, o número não reflete necessariamente o total de pessoas que perderão o benefício.

 

 

"Lula confirma lista com 800 mil idosos 60+ que darão adeus ao salário de R$ 1.412 do INSS", diz uma manchete que circula no Facebook, no Instagram, no TikTok, no Kwai e no X.

 

A manchete compartilhada contém a logomarca do Portal FDR, do grupo Grid mídia. No artigo completo publicado pelo portal é informado que "o foco da revisão são os programas temporários, como o auxílio-doença, e o Benefício de Prestação Continuada (BPC)". O restante do texto informa como ocorrerá essa revisão e o que deve ser feito pelos beneficiários durante o processo. 

 

O primeiro intertítulo da matéria, porém, cita uma suposta lista de 800 mil idosos que "podem ter" seus benefícios cortados, diferentemente do título principal do texto — que fala em 800 mil idosos "que dirão adeus" a seus benefícios.

 

Consultado pelo AFP Checamos em 11 de outubro de 2024, o INSS afirmou que é "falsa a informação de que o governo federal vai cortar 800 mil benefícios de idosos com mais de 60 anos de idade para ‘economizar’". 

 

 

Segundo o instituto, o que está em andamento desde agosto de 2024 é "um programa de revisão" que abrange, no momento, dois casos: aqueles que recebem o benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) há mais de dois anos; e aqueles que recebem o BPC e estão há mais de 48 meses sem atualização de informações no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal ou que nem mesmo têm inscrição no CadÚnico.

 

Isso significa que, até o momento de publicação desta checagem, não há previsão de que essa revisão afete outros benefícios concedidos pelo INSS, como aposentadorias, por exemplo.

 

"Somente após a checagem de dados, os casos que não se enquadrarem nos critérios exigidos para recebimento desses dois benefícios serão chamados a passar por perícia médica presencial (para auxílio-doença) e atualização cadastral (no BPC)", reforçou o instituto à AFP.

 

Esse processo de revisão em massa, também chamado de "pente-fino", foi anunciado pelo ministro da Previdência, Carlos Lupi, em julho de 2024. A estimativa fornecida pelo ministro é de que serão revisados cerca de 800 mil benefícios temporários.

 

No caso do BPC, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)determina que este benefício deve ser revisto a cada dois anos, para verificar se o beneficiário ainda se enquadra nas condições exigidas. O auxílio-doença também tem previsão de revisão periódica.

 

Segundo Carlos Lupi, porém, essa revisão maciça não ocorre desde 2019 (1,2). Em entrevista publicada em 28 de julho de 2024, o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, também destacou que, apesar da periodicidade prevista em lei, essas revisões não foram feitas em anos anteriores.

 

 

Para os beneficiários do BPC, uma das obrigações é estar inscrito no CadÚnico. Aqueles que recebem o benefício podem conferir por meio do CPF se precisam fazer inscrição ou atualização do CadÚnico nesta plataforma do INSS.

 

Ao Checamos, o INSS informou que "tem enviado notificações push pelo[aplicativo]Meu INSS para os beneficiários de BPC que não estão inscritos no CadÚnico e para os segurados que estão em auxílio-doença por um longo período", como parte do processo de revisão dos benefícios."Nesse último caso[referente àqueles que recebem o auxílio-doença por um longo período], os segurados quando ligam para pedir prorrogação do benefício são encaminhados para passar por perícia médica presencial".

 

Revisão não tem como foco somente os idosos

A manchete viral também engana ao induzir a leitura de que o pente-fino afetará somente os idosos.  Wagner Balera, livre-docente em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), explicou ao AFP Checamos que, quando se fala em benefício por idade, tecnicamente, o único benefício existente é a aposentadoria por idade, que não está incluída, até o momento, no pente-fino.

 

Já os benefícios que dependem de perícia, como o auxílio-doença, são os chamados "benefícios por incapacidade,[nos quais]não há distinção por idade. A incapacidade pode se apresentar com uma idade mínima, uma doença incurável, ou em idade mais avançada".

 

No caso do BPC, explicou Balera, trata-se de um benefício assistencial, e não previdenciário. Ou seja, destina-se à população de menor renda e difere de uma aposentadoria porque, para obtê-lo, não é necessário ter contribuído com o INSS. 

 

Esse benefício se destina a pessoas com 65 anos ou mais, ou à pessoa com deficiência em qualquer idade. Para ter direito, é preciso que a renda por pessoa no grupo familiar seja igual ou inferior a 25% do salário mínimo.

 

Maria Helena Pinheiro Renck, diretora de Direitos da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário(IBDP), também reforçou que esse processo de revisão dos benefícios citados "poderá alcançar 800 mil beneficiários, não restringindo ou direcionando tal revisão às pessoas com mais de 60 anos".

 

"Revisões em massa são como auditorias, e já aconteceram antes, para identificação de pagamentos indevidos, eventual ocorrência de outras irregularidades, inclusive eventuais fraudes, a fim de gerar equilíbrio nas contas públicas. Elas quase sempre ocorrem frente a um lapso temporal em que não houve a revisão periódica que a lei previu", acrescentou Renck, que também é especialista em Direito Previdenciário.

 

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Ela também destacou ao AFP Checamos que o número de benefícios a serem revisados — 800 mil — não reflete o número de benefícios que serão cortados, ou seja, "não significa que todos os benefícios submetidos à revisão serão cessados". Até o início de setembro, dados da Previdência Social mostraram que o pente-fino havia cortado cerca de metade dos auxílios-doença analisados.

 

"Acrescenta-se a isso que o beneficiário tem direito à ampla defesa na esfera administrativa e também poderá recorrer à via judicial, no caso de considerar indevida a cessação", pontuou a advogada.