A morte é um processo universal e certeiro para todo ser humano e, como um epitáfio sob o túmulo, o Dia de Finados abre espaço no país não para a celebração do fim da vida, mas para uma homenagem à memória daqueles que viveram. 


Professor de história, Roberto Fernandes explica que o dia é uma tradição que começa ainda no século X na Europa, especificamente na França, quando o monge beneditino Odilo de Cluny institui o dia para rezar em intenção da purificação da alma de pessoas que morreram. Segundo ele, é um costume que tomou forma por meio do cristianismo católico.

 




“O objetivo do dia foi redefinindo-se, mas o que permaneceu foi essa necessidade de lembrar e homenagear pessoas e, para a igreja, fortalecer a crença na tradição pós-morte”, explica.


A escolha da data, ele conta, está associada ao Dia de Todos os Santos, que antecede o 2 de novembro. 


Esse primeiro dia do mês é reconhecido pela Igreja Católica para que almas celestiais, aquelas redimidas de seus pecados e que já alcançaram a glória da vida eterna, permaneçam em estado de graça. No dia seguinte, aquelas no purgatório pagando por seus pecados cometidos em vida, devem ser celebradas. 


“Seja acendendo velas ou por meio das visitas aos cemitérios, o dia honra e mantém viva a memória de quem se foi”, diz. Em outros países, a celebração ganha novas manifestações e sentidos. 

 


No México, por exemplo, o tratamento com a morte é diferente. De acordo com Fernandes, o “Dia de Los Muertos”, comemorado no mesmo dia que no Brasil, é um momento de alegria e celebração. 


Ele explica que, no dia, é como se houvesse a “volta” dos mortos ao convívio dos vivos. Por isso a festa, pelo reencontro com seus ancestrais.


“No México, você só morre se for esquecido. É muito comum encontrar altares em casa e muitas oferendas. As pessoas se recusam a se esquecer dos parentes, pois isso, sim, resultaria na morte deles”, destaca.

 


No Brasil, a data caminha ao lado da saudade, tristeza e melancolia ao lembrar sobre a perda de alguém. Os mexicanos, por outro lado, se mantêm vivos até que desapareçam da memória.


Já os japoneses têm certa tradição diária. “Até mesmo o arroz na cuia se torna uma oferenda àqueles familiares e amigos que partiram. Há forte valorização da ancestralidade e influência dos antepassados na vida das pessoas”, comenta Roberto. No Japão, acontece o “Obon”, festival milenar de três dias, geralmente entre os meses de julho ou agosto, que cultua os espíritos de entes queridos.


O professor destaca que a morte é a única certeza que temos na vida, mas, apesar de tentarmos encará-la com naturalidade, machuca muito. 

 


“Penso que é importante reservar este dia como um espaço não para o espanto com o morrer, mas para a continuação da vida mesmo após a morte. No cemitério, os jazigos e mausoléus são marcos disso, marcos de memória – e não simples repositórios”, ressalta.


Roberto também faz parte, há 10 anos, do projeto de visita guiada ao Cemitério do Bonfim, a necrópole mais antiga da capital mineira. Ele reforça que é necessário pensar, ainda, quem realmente tem direito a essa memória. "Os silêncios gritam e também nos contam histórias.”

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