Maurício de Oliveira Campos Júnior
Advogado criminalista e discípulo
Há exatamente duas décadas, aos 69 anos de idade, morria Ariosvaldo de Campos Pires, um dos maiores advogados do país, orador impecável, humanista essencial.
Foram muitos os institutos e as entidades que contaram com a contribuição da sua inteligência, elegância e sensibilidade: professor de direito penal e diretor da vetusta Casa de Afonso Pena, a faculdade de direito da UFMG, presidente da OAB/MG, procurador-geral do município de Belo Horizonte, presidente do Conselho Penitenciário de Minas Gerais e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, membro da Academia Mineira de letras, presidente do Minas Tênis Clube, entre outros.
Pessoa bondosa, alma generosa, era advogado vibrante e intransigente na defesa da liberdade.
Discípulo de Lydio Machado Bandeira de Mello, lembro-me de sua busca insistente por “pracinhas” e “canteiros” sem nome na cidade, para tentar junto à Câmara Municipal e Prefeitura de Belo Horizonte uma homenagem ao seu professor. Ele queria cuidar de uma praça que tivesse o nome do professor Lydio Machado. Dizia da incoerência das homenagens que atribuíam nomes de juristas marcados pela defesa da liberdade e dos direitos humanos a penitenciárias.
Não foi por outra razão que, embora tarde, ao assumir a Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais, extingui a prática de emprestar nomes de personalidades aos presídios mineiros e criei o concurso de monografias sobre biografias das personalidades que, até aquela data, davam seus nomes a nossos estabelecimentos prisionais.
Iniciativa muito melhor foi do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que recentemente rendeu belíssima homenagem a Ariosvaldo ao dedicar seu nome ao Salão do Tribunal do Júri da Comarca de Abaeté, sua terra natal.
Ariosvaldo tinha bom humor. Certa vez, ao buscar o portão mais próximo do acesso ao estacionamento junto ao Fórum Lafayette, passava pelo corredor das Varas de Família quando um colega o abordou perplexo: “Ariosvaldo, o que você está fazendo aqui?” Famoso pela tese da legítima defesa da honra nos crimes passionais perante o Júri, Ariosvaldo respondeu sem pestanejar: “Sinal dos tempos. Agora os maridos se separam.”
A força de seus argumentos, a clareza de sua escrita e a sedução de sua oratória tocavam, hipnotizavam e convenciam quem quer que o lesse ou ouvisse. Era um privilégio vê-lo discursar ou sustentar oralmente da tribuna, ou ouvir sua voz maviosa entoar canções italianas em restritas rodas de muitos amigos.
Ora solene e austero, ora leve e festivo, Ariosvaldo sabia colocar-se na hora certa e do jeito certo em qualquer lugar.
Ao chegar, era impossível não perceber sua presença; ao sair, era muito discreto, “saía à francesa”, como costumava dizer.
Várias gerações cresceram sob a inspiração da sua liderança e de seu exemplo ético, despertando vocações numa legião de admiradores do seu modo de fazer da advocacia o exercício pleno da cidadania, de dar valor à sua profissão, de se orgulhar de ser instrumento de justiça para alguém que dele dependia e que nele confiava.
Ariosvaldo era luz no caminho de todos que cruzassem seu caminho.
Lamentável que Ariosvaldo tenha ido tão cedo, privando-nos de tantas coisas boas que poderia ter feito a tantas pessoas nesses vinte anos de sua ausência.
Felizes aqueles que o conheceram, que puderam aprender suas lições ao vivo e em cores e que hoje, como discípulos fiéis, têm a obrigação de venerar sua memória e honrar seu legado.
Salve Ariosvaldo de Campos Pires, salve!