Olhos fixos nos pobres é dimensão intrínseca da fé cristã – quem fixa o olhar em Cristo, de verdade, encontra os pobres. Um olhar que ultrapassa o sentido de uma imagem apreendida. Trata-se de sensibilidade essencial para exercer a fé, a cidadania e celebrar, no domingo, 19 de novembro, o sétimo Dia Mundial dos Pobres, inspiradora convocação do Papa Francisco. Especialmente neste ano, a Igreja pede a todos que acolha a interpelação vinda do Livro de Tobias: “Nunca afastes de algum pobre o teu olhar!”. Sábia, forte e instigante é esta interpelação da Palavra de Deus, sublinhada pelo Papa Francisco, para inspirar e fecundar o caminho das comunidades, na vivência autêntica e comprometida da fé em Jesus. É tarefa missionária dos cristãos e de cada cidadão enfrentar a pobreza e as misérias, que acentuam exclusões sociais e discriminações vergonhosas. Fixar o olhar em Jesus e, consequentemente, nos pobres, permite amadurecer a compreensão sobre a sacralidade de cada ser humano.

A sombra que obscurece o entendimento sobre a condição humana precisa ser dissipada para que seja velozmente superada a indiferença que faz desviar o olhar dos pobres. A indiferença também leva à disseminação de discursos que são apenas ideológicos: aparentemente buscam a defesa dos pobres, mas, na verdade, não conseguem efetivar a proximidade solidária, promover ações concretas capazes de mudar a realidade de tantos excluídos. O acolhimento dos pobres há de ser gesto concreto diário, com a consciência esclarecida quanto à necessidade, sempre urgente, de se enfrentar a pobreza nas cidades, sublinha o Papa Francisco. Celebrar o 7º Dia Mundial dos Pobres, precedendo a festa de Cristo Rei do Universo, é poder compreender a realeza de Cristo. Isso significa assinar o compromisso de cuidar dos pobres, buscando reconhecer em todas as pessoas, igualmente, a dignidade humana.

A recomendação “Nunca afastes de algum pobre o teu olhar” remete ao alcance do testemunho cristão e cidadão. A eloquência sapiencial deste conselho permite alcançar o sentido da cena familiar narrada na Palavra de Deus: o pai, Tobite, se despede do filho, Tobias, pouco antes do início de uma longa viagem. O velho pai, prevendo a possibilidade de não mais ver o filho, confia-lhe um relevante testamento espiritual, assentado na sua condição de pobre, já cego, testemunhando que Deus sempre foi o seu bem. A recomendação do velho pai ao filho é mais que indicação para ser guardada na memória, vai além de uma simples oração a Deus. O pai pede ao filho o compromisso de viver na justiça e praticar boas obras, incluindo, efetiva e diariamente, o cuidado dos pobres. Tobite, apesar de carregar pesos existenciais, hospedou sempre no seu coração o compromisso de cuidar dos pobres, dando pão aos esfomeados e vestindo os nus. Interpelante é o conselho de Tobite ao recomendar ao filho para ir procurar o pobre e trazê-lo para que juntos partilhem uma refeição. O Dia Mundial dos Pobres busca contribuir para que se efetive, entre todos, a amizade social.

Os que celebram a Eucaristia são desafiados a compreender a sua força como convocação à comunhão pelo gesto concreto de compartilhar refeições e superar todo tipo de desperdício e ostentação, tão comuns no estilo de vida vigente na contemporaneidade. O pobre há de se tornar uma prioridade na vida de cada um, para acender luzes capazes de fazer os olhos alcançarem a sabedoria alicerçada no sentido de justiça, no compromisso com a promoção da igualdade. Mas o testemunho da caridade, muitas vezes, gera certo incômodo, pois coloca em evidência graves problemas que ainda demandam por respostas. Por testemunhar a caridade, Tobite perdeu tudo, por imposição do rei. Olhar para os excluídos da sociedade requer, pois, coragem. Aqueles que testemunham a caridade ajudam a abrir o caminho para grandes mudanças no enfrentamento das exclusões.

Testemunhar a caridade é bem mais que tratar os pobres apressadamente, a partir de certo comodismo, apenas para ficar “livre” ou se sentir aliviado. Deve-se ir atrás dos mais sofridos e não simplesmente esperar que os pobres apresentem suas necessidades. É preciso ter coragem para buscar superar os vários tipos de pobreza, com a certeza da recompensa amorosa de Deus. Como bem dizia São Vicente de Paulo, “Deus ama os pobres, e ama aqueles que os amam”. Reconheça-se, assim, o artigo central da fé cristã que aponta para este desafio: cultivar, permanentemente, solicitude dedicada aos pobres, sem fazer distinções. É preciso ir ao encontro dos pobres e enfrentar, de maneira cidadã, todo tipo de exclusão. O Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial dos Pobres deste ano, sublinha que o atual momento histórico não favorece a atenção aos mais pobres, em razão de ser muito forte o sonoro apelo ao próprio bem-estar, silenciando a voz dos que vivem na pobreza, enjaulando-os no anonimato e na indiferença.

Neste contexto, a mensagem do Papa Francisco lembra que a situação dos pobres pode até gerar certa comoção, mas quando são encontrados, “em carne e osso”, pelas estradas e ruas, são marginalizados. Ora, não se pode se limitar a dar qualquer coisa a quem sofre. É preciso oferecer amparo material e espiritual. Isso significa comprometer-se com a promoção integral do ser humano. Os cristãos, todos os cidadãos, têm a tarefa de batalhar, incansavelmente, por um mundo justo e solidário, iluminando as próprias sombras com a luz do amor de Deus, que se desdobra no amor ao próximo. Assim é possível construir um mundo livre de guerras e disputas mesquinhas. Todos são convidados a alcançar nova compreensão sobre a importância dos mais pobres, de cada ser humano, pela força da fé e por um acurado sentido social. Essa amadurecida compreensão, alcançada a partir de olhos fixos nos pobres, é imprescindível para que a humanidade consiga se tornar uma sociedade fraterna e solidária. n