Em meados de dezembro de 2019, homens e mulheres de Wuhan, no coração da China, começaram a ser infectados por um vírus desconhecido que, em cerca de três meses, aprisionou o resto do planeta em uma pandemia com desdobramentos colossais. Praticamente quatro anos depois, o governo brasileiro anuncia uma medida também grandiosa: a inclusão da vacina da COVID-19 no calendário nacional de imunização.

A partir do próximo ano, crianças e aqueles com maior risco de desenvolver as formas graves da doença, como idosos, imunocomprometidos, quilombolas e pessoas com comorbidades, receberão gratuitamente doses regulares contra o coronavírus. Por si só, o público a ser atendido indica a magnitude da medida – os beneficiados representam uma parcela significativa da população espalhada por um país continental.

Mas não se trata apenas de um desafio logístico. A nova política de saúde é anunciada em um momento em que o país registra quedas históricas nas campanhas de imunização e um afrouxamento diante dos perigos do Sars-CoV-2. Passada a fase crítica da pandemia, a preocupação em se proteger contra a doença que matou quase 7 milhões de pessoas no planeta – 103.719 em um só dia, em 18 de de janeiro de 2021, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) – perdeu forças.

Apenas 16,88% da população brasileira recebeu a dose bivalente, que protege contra a cepa original e as principais subvariantes. No caso das crianças, a cobertura vacinal é ainda pior, de acordo com o Ministério da Saúde: foram aplicadas apenas 0,08% da terceira dose da vacina na faixa dos 6 meses aos 2 anos e 0,06% entre 3 e 4 anos. Essa é justamente a cobertura etária – entre 6 meses e 5 anos – que será considerada no calendário nacional de vacinação do próximo ano.

Para além da COVID-19, a adesão a campanhas clássicas de imunização infantil também preocupa. Um relatório recente do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), por exemplo, mostra que, no Brasil, 2,4 milhões de crianças não estão protegidas contra difteria, tétano e coqueluche – entre 2019 e 2021, 1,6 milhão não receberam nenhuma dose da vacina DTP e 700 mil chegaram à terceira inoculação.

À época da divulgação do documento, o órgão da ONU alertou que as crianças “deixadas para trás” estavam desprotegidas de doenças “sérias e evitáveis”, com o risco de o país voltar a ter que enfrentar enfermidades erradicadas, como a poliomielite. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, indicou que a melhora do cenário dependia de ações de combate ao negacionismo e às fake news.

É indiscutível que medidas educativas são essenciais para que políticas de saúde pública sejam, de fato, efetivas. Mas não suficientes. Há também questões de ordem prática que dificultam que brasileiros de todas as idades consigam exibir uma carteira de vacinação sem desfalques. Se boa parte das unidades básicas de saúde funciona em horário comercial, a que hora será imunizada a criança e seu responsável que depende do transporte público para chegar em casa depois de um longo dia de trabalho? E se for preciso pagar mais um meio de locomoção para chegar ao local que concentra as imunizações?

Medidas pouco usuais adotadas em diferentes unidades da Federação durante a pandemia – como a aplicação de vacinas em restaurantes comunitários, feiras e parques, durante as noites e nos fins de semana – mostram que é preciso ampliar as formas de atendimento para ampliar o número de protegidos. A busca ativa, em que os agentes comunitários vão até as pessoas não imunizadas, também é uma recomendação do Unicef, assim como a valorização dos profissionais de saúde e a priorização do financiamento de serviços de atenção primária que tenham foco na infância.

Trata-se também de um plano de enfrentamento gigantesco, mas não impossível. Os resultados do Programa Nacional de Imunizações (PNI), tido como uma referência internacional, estão em xeque. Atualizar essa condição deve seguir uma lógica médica: em se tratando de moléstias, quanto antes se intervir, melhor o prognóstico.

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