O avanço e a adoção de uma nova tecnologia pelo mundo não costumam ser suave. Normalmente se dá em saltos intensos, que deixam para trás os países que não conseguem acompanhar a inovação do momento. Foi assim com a adoção dos teares mecanizados na virada do século 18 para o século 19, que levaram à primeira revolução industrial e à ascensão do Reino Unido como potência, foi assim com os computadores e a internet. Agora, o mundo está diante de uma nova mudança de paradigma tecnológico, talvez a mais importante desde a chegada da informática: os carros com motores elétricos.

A eletrificação avança rapidamente pelo mundo. No exterior – principalmente na Europa – diversas montadoras já determinaram que, nos próximos anos, todos os seus veículos vão sair de fábrica com baterias. Elas vão ocupar o lugar dos motores à explosão, movidos por derivados de petróleo. Os chineses também não perderam tempo, e estão não só apostando pesado na virada de matriz energética, como estão trazendo, a preços muito competitivos, seus veículos elétricos para o Brasil.

Mas por aqui, porém, diversos desafios se impõem para que a eletrificação ocorra com a velocidade que está sendo implantada nos países do Norte global. Um dos principais dilemas é o impacto potencial na mão de obra. A automação e a substituição de motores a combustão interna pelos elétricos têm o potencial de causar uma redução drástica postos de trabalho no setor, sejam empregos diretos, nas montadoras, sejam indiretos, na imensa rede de prestação de serviços, que vão de postos de gasolina e centros de trocas de óleo a oficinas mecânicas de bairro.

Isso revela outro problema de difícil resolução no Brasil: a infraestrutura deficiente. Para que uma pessoa viajando encare mais do que seis ou sete horas em um elétrico, ela vai precisar invariavelmente de abastecer a bateria. Mas o processo não é rápido como encher um tanque. Ele demanda algumas horas, o que pode causar um problema sério. Basta imaginar uma pessoa que chega em um eletroposto onde todos os carregadores estão ocupados. Além da espera que ela já teria pelo próprio carro, ela terá que aguardar que as pessoas que chegaram na frente concluam suas cargas, sendo que elas podem ter, também, acabado de iniciar o abastecimento.

Se nas estradas existe esse problema, nas casas brasileiras não é diferente. Quais são as garagens de imóveis que estão preparadas para uma adoção em massa dos carregadores? A situação, como se não bastasse, provavelmente, vai gerar discussões e brigas em condomínios, onde a energia elétrica dos estacionamentos costuma ser compartilhada, de uso comum.

Por isso, as grandes montadoras estão apostando que o Brasil ainda vai viver um momento de transição até a adoção do elétrico puro. Os híbridos, que têm o auxílio de um motor elétrico alimentado a bateria, mas também contam com um propulsor a explosão, estão sendo apresentados como esta solução intermediária. Faz sentido, pois aproveita a imensa produção nacional de etanol, que é um combustível renovável e consideravelmente mais limpo do que a gasolina e o diesel.

No entanto, é crucial reconhecer que essa abordagem deve ser apenas uma resposta temporária. Ao optar pelos híbridos, o Brasil ganha um tempo necessário para resolução de todos os problemas citados acima, mas arrisca perpetuar a dependência dos combustíveis fósseis, enquanto o resto do mundo avança rapidamente para a eletrificação total. É como se estivéssemos aceitando um compromisso pela metade, condenando-nos a seguir um caminho que, a longo prazo, pode se tornar obsoleto. Resta saber se o governo, as montadoras e, principalmente, os consumidores, vão entender os híbridos como um momento de transição rumo ao futuro totalmente elétrico da indústria automotiva global, ou se o Brasil vai, mais uma vez, perder o passo da história. 

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