A Declaração Universal dos Direitos Humanos completou 75 anos no último 10 de dezembro, mas há pouco a comemorar neste momento, em que o mundo vê as desigualdades sociais se acentuarem, com guerras espalhadas por vários países e a intolerância predominando. Enquanto parte da população passará esta noite de Natal com a mesa farta, milhões de pessoas estarão transitando pelas ruas, sem abrigo, num frio extremo ou num calor infernal, em busca de algo para comer, revirando lixos ou estendendo a mão em busca de ajuda. Não se trata de um fenômeno de países pobres ou em desenvolvimento, como o Brasil. É uma ferida aberta mesmo nas economias mais desenvolvidas, que não têm sabido lidar com políticas inclusivas efetivas.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que, no Brasil, há quase 300 mil pessoas em situação de rua, um recorde. Esse quadro se agravou depois da pandemia do novo coronavírus, sem que os governos reagissem com a rapidez necessária para conter esse quadro desolador. Nos Estados Unidos, a maior economia do planeta, o número de sem-tetos, de 653 mil, é o maior desde que as estatísticas oficiais começaram a ser feitas, em 2007. Tal contingente representa aumento de 12% em relação a 2022, ou seja, mais 70 mil pessoas ficaram sem abrigo em apenas um ano, muitas delas passando por esse martírio pela primeira vez na vida.
Na Europa, onde a política de bem-estar social implantada depois da Segunda Guerra Mundial conseguiu reduzir significativamente o fosso que separa ricos e pobres, a situação também é alarmante. Mais de 700 mil pessoas não têm onde morar. Nos países ibéricos, a gravidade do problema está escancarada. Portugal, com quase 11 mil cidadãos vivendo nas ruas, sendo muitos estrangeiros, teme ver a miséria explodir. Não sem razão. Esse exército de sem-teto cresceu 117% em quatro anos. Na Espanha, as estatísticas indicam cerca de 30 mil pessoas em situação de rua, um salto de 25% ante 2012. Itália e Grécia seguem na mesma direção, com o problema agravado por uma crise migratória.
Em meio a esse cenário devastador, em que a dignidade humana inexiste, há um fenômeno recente que amplia os desafios de governos e sociedade civil para proteger a população mais vulnerável: os elevados preços dos imóveis. Na Europa e nos Estados Unidos, principalmente, os preços dos aluguéis atingiram níveis inaceitáveis. Famílias inteiras, muitas com crianças, estão sendo despejadas por não terem renda suficiente para bancar uma moradia digna. As grandes cidades vivem um processo de gentrificação, em que áreas populares estão sendo ocupadas por pessoas de mais alta renda, expulsando moradores locais. O turismo de massa reforça esse processo e acende o sinal de alerta.
O governo brasileiro lançou, recentemente, o programa Ruas Visíveis, com investimentos previstos de R$ 1 bilhão, para tentar minimizar a penúria de quem não tem onde morar. Mas é preciso mais, muito mais. Em todas as grandes cidades, que concentram o grosso dos sem-abrigo, há centenas, milhares de prédios abandonados que poderiam ser transformados em moradias. O engajamento de governadores e prefeitos num movimento como esse certamente tornaria as cidades mais amigáveis e, sobretudo, tiraria muitas pessoas da miséria absoluta, à qual elas parecem estar condenadas. Nesse tipo de ação não deve imperar a ideologia, sob o risco de prevalecer o fracasso.
O Natal deste ano será o primeiro depois de, efetivamente, o planeta ter superado a pandemia da covid-19. Que os aprendizados dos últimos anos sirvam para a construção de um mundo melhor, de mais compreensão e menos ódio, de mais solidariedade em vez do individualismo, de mais amor ao próximo. A complexidade do quadro atual exige reflexão e foco no que realmente importa, em especial, para a população mais desassistida. Todos têm o direito a uma vida digna, e cabe a cada um construir um futuro de oportunidades, de paz e sem miséria, com preservação ambiental e avanços da ciência. Que assim seja. Feliz Natal!