A Declaração Universal dos Direitos Humanos completou 75 anos no último sábado. Não é um tema restrito ao Brasil, mas amplo para toda a humanidade e implica respeito aos cidadãos do planeta. Mas não só isso. É preciso respeito também ao patrimônio natural que garante a vida dos seres, inclusive dos humanos. Hoje, o país vive o dilema entre preservar o rico patrimônio natural nacional e elevar os ganhos financeiros do agronegócio, embora ambos não sejam incompatíveis. A dúvida não existiria se todos fossem conscientes de que, sem um meio ambiente saudável, não haverá meios de produzir alimentos e ofertar água com qualidade à população nem sobreviver. A hostilidade contra o patrimônio ambiental agride o primeiro artigo da declaração: "Todo ser humano tem direito à vida".

A ecóloga Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), foi contundente em sua advertência: "Preservar a Amazônia e degradar o cerrado é uma estratégia suicida". Em novembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por meio do sistema Deter, constatou que, no mês anterior, o cerrado perdeu 683,2km² de cobertura vegetal – o dobro da área de Belo Horizonte (332km²). Um aumento de 203% em comparação com o registrado em igual mês de 2022. No mesmo período, ocorreu uma queda de 52% na Amazônia, onde 435km² foram desmatados, configurando a menor taxa para outubro na série histórica do bioma, iniciada em 2015.

O desmatamento avança no cerrado amparado pela legislação. Na revisão do Código Florestal (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012), congressistas tiveram força para impor suas pretensões – entre elas, a ampliação dos limites de desmatamento do cerrado nas propriedades privadas. Na Amazônia, os produtores rurais – pequenos, médios e grandes — têm de preservar 80% da vegetação nativa. No cerrado, apenas 20% da flora devem ser poupados.

Os legisladores desconsideraram a importância do cerrado como essencial à oferta de água e, sobretudo, em relação às bacias hidrográficas – entre elas, as que são tributárias de cursos de água na Região Amazônica. Não à toa, o cerrado é, sem qualquer exagero, o berço das águas. As suas nascentes alimentam nove das 12 principais bacias hidrográficas do país, como a transnacional bacia do Rio do Prata, a Platina, na tríplice fronteira – Brasil, Uruguai e Argentina.

Levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) identificou 100 milhões de hectares de terras ociosas no país. Cerca de 40% estão em poder de latifundiários, como reserva de valor – imóveis rurais improdutivos. Na prática, a abertura de novas frentes de produção agropecuária se mostra desnecessária. É mais do que factível produzir sem desmatar, sem agressões ambientais, assegurando alimentos e lucros aos empreendimentos rurais.

Os fenômenos climáticos extremos não são apenas alertas de que é preciso dar um basta às emissões de gases de efeito estufa, que levam ao aquecimento global. Advertem que é necessário entender a conservação do patrimônio natural como aliada da perenidade da vida no planeta. É garantir saúde plena à mãe Terra, como legado às futuras gerações.

Para evitar uma tragédia de proporções inimagináveis ou o agravamento dos inúmeros problemas socioeconômicos enfrentados pelo país, é fundamental ter consciência de que os humanos são integrantes do meio ambiente. É sentir pertencimento ao patrimônio natural. Portanto, é necessário interromper o desmatamento brutal da cobertura vegetal do cerrado. O comprometimento da vida humana começa com a eliminação das matas, o assoreamento dos rios, a supressão das nascentes de água potável e a extinção dos animais. Visões e comportamentos inversos dessa lógica são a abertura da estrada em direção à finitude coletiva da vida no planeta, e não haverá porta de escape para o Brasil.

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