Depois de todos os encargos impostos pela pandemia da covid — milhões de vidas perdidas, inflação em disparada e juros nas alturas —, apostava-se em condições melhores para a economia mundial e, por consequência, para a população. Com as cadeias de suprimentos globais normalizadas e os preços para empresas e consumidores acomodados, criou-se uma enorme expectativa em torno de um movimento geral de redução do custo do dinheiro. Mas todo esse quadro benigno tende a se desintegrar ante os conflitos geopolíticos que têm se espalhado feito rastilho de pólvora por várias regiões do planeta. As consequências, dizem especialistas, podem sem dramáticas.
O foco de maior atenção está no Mar Vermelho, por onde transitam 12% do comércio mundial. Trata-se da principal rota de mercadorias entre a Europa e a Ásia, mais precisamente, a China. Diante dos ataques dos houthis do Iêmen às embarcações que por ali transitam, as grandes transportadoras estão sendo obrigadas a buscar alternativas, como o Cabo da Boa Esperança, no Sul da África, o que provocou um salto nos fretes marítimos. Todos se lembram que apenas o encalhe de um navio, o Ever Given, em 2021, no Canal de Suez, por alguns dias já foi suficiente para acender o sinal de alerta no sistema de logística global. Agora, a preocupação ganhou contornos muito maiores.
Mesmo estando em uma localização privilegiada, podendo suprir, sem transtornos, o Leste dos Estados Unidos, o Norte da Europa e a África, o Brasil tende a pagar um preço alto pelos conflitos que ameaçam tomar conta do Oriente Médio e de parte da Ásia. O país é um grande exportador de proteínas animais para as nações árabes, que consomem 29,4% da produção nacional. No ano passado, foram vendidas para o Oriente Médio 1,5 milhão de toneladas desses produtos, por US$ 3,1 bilhões. Além de a propagação de guerras pôr em risco o comércio com a região, há a elevação nos valores cobrados pelas transportadoras. As sobretaxas chegam a US$ 1,5 mil por contêiner embarcado.
Não só. Como os cargueiros estão tendo de percorrer caminhos mais longos, o número de embarcações disponíveis tenderá a diminuir, já que vão demorar mais tempo para chegar aos destinos. Isso joga por terra a projeção de que, em 2024, haveria sobras de navios para o comércio internacional, empurrando os preços dos fretes para baixo. O resultado será uma economia global mais fraca, com inversão para cima da curva de inflação e adiamento da tão esperada queda das taxas de juros nos Estados Unidos e na Europa. O afrouxamento da política monetária é vital para que as nações desenvolvidas não descambem para a recessão, uma ameaça latente.
Todo esse cenário nebuloso ocorre num momento em que não há lideranças capazes de comandar um entendimento pela paz. Os Estados Unidos estão entrando em um complicadíssimo processo eleitoral. A Europa está fragmentada e perdeu parte de sua relevância diplomática. De outro lado, há países como Rússia e Irã para os quais o tensionamento geopolítico é estratégico para acentuar as divisões. Os custos das incertezas recaem sobre todos, e o Brasil não está imune, dada à dependência da cadeia global de suprimentos, escancarada pela crise sanitária provocada pelo novo coronavírus.
Em meio a esses conflitos, há os efeitos das mudanças climáticas. O Canal do Panamá, por onde passam 6% do comércio mundial, enfrenta a maior seca da história. Apenas 24 embarcações estão sendo autorizadas a cruzá-lo por dia. A alternativa de muitas empresas tem sido recorrer a outros modais de transportes, como o aéreo e o ferroviário, a custos mais elevados. Tudo isso confirma tempos complicados para o mundo, que arcará com uma fatura alta. Nesse contexto, resta ao Brasil fazer o dever de casa e reduzir ao máximo os riscos internos. Será o caminho mais indicado para amenizar as turbulências externas que estão por vir.