Desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho

Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Desembargadora Ana Paula Nannetti Caixeta

Terceira Vice-Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

 

No Brasil, desde a sua colonização, diversos fatores influenciaram e ainda impactam o processo de ocupação do solo brasileiro. A forma como as áreas das cidades são povoadas, bem como as normas que regulamentam essa povoação, apresentam repercussão direta na dignidade do ser humano, na medida em que a moradia digna é um dos princípios fundamentais que norteiam a estruturação do Estado Brasileiro.

Se se mora em local adequado, regular e seguro, as condições de vida são melhores e o transcurso da vida opera de modo dignamente humanizado. O inverso também, infelizmente, é verdadeiro, na medida em que se a habitação é imprópria, irregular e insegura, as condições de vida tendem a serem piores, e os indivíduos vivem em ambientes de desumanização.

Por essa razão, faz-se imperiosa e urgente a regularização fundiária das áreas urbanas. O ordenamento jurídico brasileiro é composto pela Lei de nº 13.465, de 11 de julho de 2017, que trata da regularização fundiária rural e urbana (Reurb), a Lei de nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece as diretrizes gerais da política urbana, bem como a Lei de nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano.

A regularização fundiária, seja ela de interesse social (Reurb-S), seja de interesse específico (Reurb-E), autoriza o emprego de diversificados instrumentos jurídicos, sendo legitimados para o seu requerimento (artigo 14 da Lei 13.465/2017): a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, diretamente ou por meio de entidades da administração pública indireta; os seus beneficiários, individual ou coletivamente, diretamente ou por meio de cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária urbana; os proprietários de imóveis ou de terrenos, loteadores ou incorporadores; a Defensoria Pública, em nome dos beneficiários hipossuficientes; e o Ministério Público.

A atuação dos Cartórios de Registro de Imóveis cumpre papel fundamental no procedimento de regularização fundiária e na legitimação da ocupação. Isto porque somente com o registro formal dos títulos de propriedade é que se outorga o domínio aos ocupantes, garantindo que os moradores das comunidades regularizadas possuam segurança jurídica.

A atuação eficiente do Poder Judiciário de Minas Gerais, por meio dos métodos autocompositivos e dos Núcleos de Regularização, não apenas valida, mas fortalece a regularização fundiária, visando a promoção da estabilidade e o desenvolvimento socioeconômico das comunidades beneficiadas.

Uma proposta inovadora é a sugestão, aos legitimados, para inclusão de cláusulas de responsabilidade social em contratações entre o Poder Público, nas diversas esferas, e empresas privadas. Esse tipo de cláusula contratual teria a finalidade, por exemplo, de estabelecer obrigações adicionais para as empresas vencedoras dos certames licitatórios, estipulando a realização de serviços e de obras em prol da regularização fundiária das comunidades impactadas ou outras que apresentem baixo IDH (inciso I do artigo 13 da Lei 13.465/2017).

Diante da complexidade do procedimento, da diversidade de instrumentos e dos vários parceiros e legitimados, faz-se necessária a atuação articulada e de modo sinérgico uns com os outros, parceiros e legitimados, instituições e sociedade civil. A atuação em rede é um catalisador essencial para o sucesso da regularização fundiária, uma vez que promove uma abordagem colaborativa e multifacetada, reunindo todos em um esforço conjunto.

Essa atuação colaborativa cria uma base sólida para a sustentabilidade a longo prazo da regularização fundiária. A diversidade de atores envolvidos promove a continuidade das ações, garantindo que os esforços perdurem além de ciclos governamentais ou de projetos específicos, o que acaba por contribuir para a estabilidade das comunidades regularizadas.

A regularização fundiária transcende a simples legalização de terras ou áreas urbanas. Ela representa um compromisso com a construção de uma sociedade mais justa, onde a dignidade da pessoa humana é promovida, a segurança jurídica é garantida e o direito à propriedade é respeitado.

Para que a regularização fundiária seja eficaz, mediante o aproveitamento mais abrangente possível da ocupação irregular já consolidada, é necessário que todos os envolvidos, sejam os entes públicos, sejam as organizações da sociedade civil e as próprias comunidades, promovam o engajamento ativo no procedimento regulatório. Por isso, é feito convite para que todos, cidadãos e os demais legitimados legais, tomem conhecimento dessa ferramenta e dela façam uso. Juntos, afinal, podemos alcançar a tão almejada dignidade para todos, alicerçada na regularização fundiária.