César Piorski
Doutor, mestre e bacharel em economia com especializações em Economia de Empresas, Engenharia Financeira e Macrocenários
Recentemente, o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) publicou um profundo e inédito - dado o grau de detalhamento - estudo sobre a concentração de renda no Brasil. Na ocasião, os autores apontaram para o preocupante aumento da concentração de renda no topo da pirâmide, isto é, apenas 0,01% da população acumula renda em ritmo três vezes superior à média da população brasileira.
Esse problema resulta de um processo histórico, cujo aspecto mais dramático foi gestado ao longo dos últimos 40 anos, a partir de um conjunto de políticas macroeconômicas inconsistentes, cujas consequências aprofundam o problema que tentam solucionar.
A crise do petróleo no final da década de 1970 ocasionou a subida da taxa de juros internacional, impulsionando a explosão da dívida externa brasileira, que, por sua vez, acelerou o esgotamento da estratégia de crescimento levada a cabo nos anos dourados do milagre econômico brasileiro. Desde então, precisamente a partir da década de 1980, a forçada tentativa de recuperação desse elo perdido, assim como o desprezo pela leitura do quadro econômico internacional, deixou como legado: uma queda persistente da nossa produtividade, a vivência do fenômeno hiperinflacionário, o aprofundamento da dependência de recursos externos, a desindustrialização e uma pauta de exportação baseada em produtos primários (grãos e minérios). Essa estrutura produtiva explica a medíocre taxa de crescimento do PIB e a baixa capacidade de geração de emprego e renda para as camadas mais próximas à base da pirâmide ao longo de todo esse período.
Mesmo vivenciando uma conjuntura otimista, do efetivo de aproximadamente 18 milhões de pessoas economicamente ativas, pelo menos 1,5 milhão jamais serão absorvidas pelo sistema econômico, ainda que a economia registre elevadas taxas de crescimento. Decorrente da institucionalidade criada a fim de dar conta dos problemas que se apresentaram e se acumularam ao longo do tempo, nossa taxa básica de juros (Selic) apresentar-se-á sempre em nível maior do que de fato poderia ser, o mesmo ocorre com a taxa de câmbio, a qual por questões de gerenciamento macroeconômico, permanece em nível incompatível com a nossa baixa produtividade.
Por sua vez, esse problema não afeta a camada pertencente ao topo da pirâmide, muito pelo contrário, em grande medida até os favorecem, dado que, para eles, a lógica do investimento assume o caráter financeiro, caracterizado por alto retorno e baixo período de recuperação do investimento. Essa lógica, base da acumulação de capital contemporânea, está em voga nos países centrais desde os anos 1990 e ainda assim não foi bem trabalhada em nossas políticas macroeconômicas.
A interação entre o avanço da financeirização e o esgarçamento do nosso tecido produtivo têm levado as famílias à construção de um macabro arranjo de sobrevivência, qual seja, utilizar o crédito como complemento de renda, fato esse que contribui indubitavelmente para a aceleração da concentração de renda.
O desarme dessa armadilha, apesar de não ser tarefa trivial, passa obviamente pela elaboração de políticas macroeconômicas que revertam essa perversa institucionalidade. Do contrário, continuaremos a assistir ao aprofundamento dessa concentração e sua inevitável contrapartida, qual seja, o aumento da tensão social. A polarização vivenciada nas últimas eleições presidenciais são sinais inequívocos desse grave problema.