Em negociação há mais de 20 anos, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia encontrou uma nova barreira, que, dificilmente, será ultrapassada tão cedo. Diante dos protestos de agricultores se espalhando por vários países da região, o presidente da França, Emmanuel Macron, conseguiu bloquear as conversas que estavam em estágio avançado entre o grupo formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e a Comissão que representa os europeus.

O temor de que as manifestações saiam do controle levou os líderes do Velho Continente a cederem em praticamente todos os pleitos dos ruralistas. A alegação dos produtores é a de que não se pode abrir as fronteiras para gigantes agrícolas, em especial o Brasil, sem a garantia de que as regras de concorrência serão as mesmas. Os europeus dizem que seguem políticas ambientais cada vez mais rígidas, enquanto no Mercosul os compromissos são mínimos, inclusive com o uso de agrotóxicos que foram varridos da União Europeia.

Era grande a expectativa de que o tratado entre os dois blocos comerciais fosse assinado nos próximos meses. Desde que tomou posse, em janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se empenhou para que as negociações chegassem a um bom termo. O fato de a Espanha assumir a presidência temporária da UE no segundo semestre do ano passado deu uma esperança a mais, dado o compromisso do primeiro-ministro, Pedro Sánchez, com o acordo. Mas entraves foram se colocando no caminho, como a eleição de Javier Milei na Argentina, e, agora, o repúdio dos agricultores europeus à parceria com os sul-americanos.

Os líderes europeus reconhecem que há um rastilho de pólvora espalhado pela região muito perto de explodir. Os recursos destinados pelos governos ao campo, que representam mais de um terço do Orçamento da União Europeia, já não parecem suficientes. Países periféricos da União Europeia, como Polônia e Bulgária, reclamam que seus produtores agrícolas foram altamente prejudicados por causa das facilidades dadas às importações de grãos da Ucrânia. A concorrência derrubou os preços das principais mercadorias. Tanto que o valor da produção agrícola dos 27 países da UE despencou de 80 bilhões de euros (R$ 448 bilhões) para 58,8 bilhões de euros (R$ 329,3 bilhões) entre 2002 e 2023.

Com menos renda disponível, lidando com custos em alta, como o da energia, e ainda mais dependentes dos governos, os fazendeiros europeus se dizem abandonados. Com esse setor fragilizado, partidos de extrema-direita têm se aproveitado dos protestos, que resultam em fechamento de estradas e portos e bloqueios de cidades, para angariar apoio a propostas radicais, inclusive a de ruptura da UE. Em junho, todos os 27 países do bloco irão às urnas, e as chances de se ter um Parlamento com mais extremistas são grandes. Portanto, reconhecem os líderes de potências como Alemanha e França, não há espaço para brincar com fogo. É melhor ceder neste momento, do que perder o controle dos movimentos.

O Brasil, frustrado com o bloqueio do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, também deve elevar seu nível de atenção. Os radicais de direita têm usado as imagens dos protestos dos agricultores europeus para insuflar as massas no país. Depois de produções recordes nos últimos anos, o campo brasileiro vai sofrer um baque neste ano devido às questões climáticas. É fundamental que o governo esteja atento às demandas para evitar que tratores e caminhões tomem as ruas, resultando em conflitos desnecessários.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já anunciou uma linha de crédito em dólar, no valor de R$ 4 bilhões, para as exportações agrícolas, e outros R$ 2 bilhões para as cooperativas. Mas essas ações podem não ser suficientes para compensar as quebras das safras. Os sinais já foram emitidos. Agora, é preciso agir.

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