Dados do Censo de 2022, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que o Brasil avançou no acesso da população ao saneamento básico, mas as condições gerais ainda estão muito aquém do necessário. Entre 2010 e 2022, a proporção de lares com coleta adequada de esgoto passou de 64,5% para 75,7%. Ainda assim, 49 milhões de brasileiros não são atendidos por esse serviço. Isso em um país que se comprometeu com um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas, de ter 100% das casas ligadas a redes de saneamento até 2030.


São gritantes as desigualdades captadas pelo IBGE quando se detalham as informações. Dos 203 milhões de cidadãos, 24,3% não contam com o descarte adequado de esgoto, mas esse índice sobe para 68,6% entre pretos e pardos. Em 2.386 cidades, todas de pequeno porte, menos da metade das residências tem saneamento. As piores situações estão em áreas rurais e assentamentos informais nas periferias das grandes metrópoles, o que comprova que as políticas públicas estão voltadas apenas para as áreas urbanas.


Outro dado estarrecedor: 1,2 milhão de pessoas, dos quais 868 mil no Nordeste, não têm nenhum tipo de banheiro em casa, mesmo que improvisado. Por outro lado, 5,4 milhões vivem em moradias com quatro ou mais banheiros. Não é só: entre os 49 milhões sem rede coletora ou fossa séptica, a maioria despeja o esgoto em buracos ou fossas rudimentares. O restante usa rios, lagos e córregos para despejar os dejetos.


Essa realidade explica, em boa parte, os recorrentes problemas de saúde da população mais pobre, sujeita a doenças como diarreia, que mata milhares de crianças todos os anos, e verminoses. Também justifica os surtos de dengue, zika e chikungunya. Os resultados desse descaso, da ausência do Estado, são superlotação de hospitais, gastos excessivos com medicamentos e mortes que poderiam ser evitadas. Passou, portanto, da hora de se atacar os problemas com medidas efetivas, como dobrar ou mesmo triplicar os investimentos médios anuais em redes coletoras de esgoto.


Na avaliação de especialistas, os últimos anos mostraram que políticas públicas focadas, sem ideologia, podem trazer bons resultados. Pelo menos até 2015, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) conseguiu destravar obras importantes, especialmente no Nordeste, onde o total de lares com saneamento saltou de 59,2%, em 2010, para 64,5%, em 2022. A melhora geral no país, ao longo desse período, foi possível, ainda, por meio das parcerias público-privadas (PPPs), das concessões e das privatizações. Os investimentos privados têm feito a diferença.


São poucos os que acreditam na promessa do Brasil se integrar a totalidade das residências a redes coletoras de esgoto nos próximos seis anos. Contudo, é preciso persistir nesse compromisso, pois é inaceitável que tanta gente ainda seja submetida a condições de dois séculos atrás. No mundo político, sempre se disse que obras de saneamento básico, por ficarem debaixo da terra, não dão votos. Esse tipo de argumento é, no mínimo, uma aberração. Permitir que as pessoas tenham melhores condições de vida deve ser princípio básico entre aqueles que exercem funções públicas.


Num país de tantos desperdícios, de verbas públicas aplicadas de forma errada e, muitas vezes, desviadas, a população não deve se omitir, mesmo aquela parcela que pode escolher que banheiro vai usar em casa. É fundamental cobrar todas as esferas de governo, uma vez que têm responsabilidades a cumprir, para que a dignidade humana seja considerada na definição dos investimentos públicos.


É preciso ressaltar, também, que o novo marco do saneamento, aprovado em 2020, trouxe avanços importantes no sentido de melhorar a destinação de recursos para o setor, seja do ponto de vista público, seja do privado. Isso passa pelo empenho efetivo de governantes e legisladores a fim de que os interesses da população se sobreponham às artimanhas políticas, inclusive, para o bom andamento da economia. Foi a melhora da renda da população nos últimos anos, com a inflação sob controle, que permitiu a muitas famílias buscarem moradias em condições melhores. Mãos à obra. 

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