A vitória acachapante de Donald Trump nas primárias republicanas realizadas na Superterça foi a pá de cal nos planos da concorrente do ex-presidente, Nikki Haley, de seguir adiante na corrida para a Casa Branca. Nesta quarta-feira, a ex-governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora na ONU desistiu da candidatura. Assim, abre-se definitivamente o caminho para Trump ser confirmado como o candidato republicano para as eleições presidenciais de novembro. Ao anunciar que estava fora da disputa presidencial, Haley manifestou que, por ora, não pretende apoiar o mais votado entre os delegados republicanos. “Nunca apenas siga a multidão, sempre decida por si mesmo”, disse a ex-governadora, citando uma frase de outra mulher conservadora, a ex-primeira ministra britânica Margareth Thatcher.


Após vencer as prévias em 14 dos 15 estados norte-americanos na Superterça, Trump, fiel ao seu estilo, voltou as baterias contra o rival democrata. E não economizou nos ataques. Criticou fortemente a postura do presidente Joe Biden no conflito na Ucrânia e em Gaza. Declarou apoio explícito à ação militar de Israel, com uma frase controversa: “Acabe com o problema”. Trump disse que, se estivesse no comando da Casa Branca, o ataque terrorista do Hamas jamais teria ocorrido. E finalizou: “Joe Biden é o pior presidente da história do nosso país”.


O atual ocupante da Casa Branca, também vencedor da Superterça do lado democrata, preferiu dar declarações por escrito em resposta aos ataques do adversário. E externou uma preocupação expressiva nos Estados Unidos, compartilhada em diversas partes do mundo. “[Os americanos] estão diante de uma escolha clara: se querem seguir avançando ou se permitirão a Donald Trump que nos arraste para o caos, a divisão e a escuridão que marcou seu mandato”, escreveu Biden.


A ascensão de Donald Trump carrega vários significados. Significa, em primeiro lugar, que o fenômeno eleitoral de 2016, resultado de um carisma fora de série nas redes sociais e um desprezo pelo establishment norte-americano, se tornou uma força política definitiva na mais antiga democracia do Ocidente. O ex-presidente demonstrou, diversas vezes, o apreço pelos regimes autocráticos da Rússia e da Hungria. É acusado de incitar a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2020, embora a Justiça, até o momento, não tenha visto impedimento para o ex-presidente republicano concorrer a um segundo mandato na Casa Branca. Apesar desses óbices, segue forte na preferência do eleitor norte-americano.


Um eventual retorno de Trump à presidência dos Estados Unidos tende a exacerbar tensões e aprofundar a polarização no complexo momento das relações internacionais. O republicano deve retomar a antiga tradição isolacionista dos norte-americanos, deixando em segundo plano as ações de organismos multilaterais como a Organização das Nações Unidas e até alianças militares, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Essa postura pode complicar ainda mais a situação em regiões sensíveis, como o Leste Europeu ou o Oriente Médio. Cite-se, ainda, o negacionismo explícito do republicano à emergência climática, apesar de todas as evidências científicas.


Do ponto de vista do Brasil, o sucesso de Trump alimenta a neodireita que se cristalizou a partir de 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro. Trata-se de sinal preocupante, pois é conhecido o apreço de parcela dos bolsonaristas por práticas autocráticas, quando não a nostalgia do regime de exceção que prevaleceu sob o jugo dos militares. O ressurgimento da onda trumpista certamente servirá de aditivo para a oposição se contrapor de maneira mais veemente à plataforma progressista de Luiz Inácio Lula da Silva. Os próximos meses prometem ser de fortes emoções. Trump está chegando. E vem com apetite.