Ana Paula Nannetti Caixeta
Desembargadora.
Terceira vice-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Nesta data comemorativa em que se dá destaque às mulheres, é momento de enaltecer todas elas. Aquelas que trabalham em atividades socialmente visíveis ou invisíveis, atuando como cuidadoras silenciosas de familiares ou de terceiros, restritas ao ambiente do lar.
A caminhada de 33 anos na magistratura tem sido um aprendizado de vida. Conviver com mulheres vulneráveis me ensinou que a capacitação emocional e profissional é o caminho para as mulheres romperem as amarras dos papéis sociais que lhes foram culturalmente atribuídos, ligados ao cuidado, ao afeto e aos afazeres domésticos.
Nos espaços de poder, a conclusão a que chego é que as mulheres somente alcançaram esse patamar por já terem conquistado a independência financeira necessária para delegarem, geralmente a outras mulheres colaboradoras, as atividades acima mencionadas e poderem se dedicar com mais tranquilidade às atividades laborais externas, além do ambiente familiar.
Sob qualquer prisma e em qualquer das atividades, a contribuição que as mulheres trazem para a sociedade é imensamente significativa. Embora sobre elas recaiam exigências múltiplas e bem mais severas do que sobre os homens.
É possível conciliar o trabalho e a maternidade sem comprometer as decisões nas atividades laborais. A concepção do feminino que gera outra vida traz a dimensão da capacidade da mulher de cuidar de si mesma e, ainda, de se importar com o outro ser humano, mantendo o grupo familiar estruturado e as equipes de trabalho estáveis, motivadas, fortalecidas e colaborativas.
Infelizmente, verifica-se que nas camadas sociais menos favorecidas as mulheres suportam carga imensa e desigual para compatibilizar a maternidade com o trabalho fora do lar.
Nesse sentido, um dos caminhos para a paridade de gênero nas diversas esferas da sociedade é a adoção de políticas públicas eficientes, notadamente com escolas em tempo integral, que forneçam educação e alimentação adequadas para crianças e adolescentes, evitando-se que milhares nessa faixa etária fiquem à mercê da sorte ou inviabilizem as mulheres de exteriorizarem as suas capacidades, usufruírem de oportunidades e de fazerem as próprias escolhas.
Diálogo e consenso são necessários para reequilibrar a balança da simetria entre homens e mulheres, na comunidade como um todo, instituições privadas e públicas.
No caso específico do Poder Judiciário brasileiro, houve a necessidade de normativos do CNJ – Conselho Nacional de Justiça – para que se pudesse iniciar um movimento de busca pela paridade na composição dos Tribunais Estaduais e Regionais Federais.
Aos poucos, as mulheres vão conquistando lugar na mesa de decisões. Curiosamente, no Poder Judiciário, em um movimento da cúpula para a base.
Em geral, as mulheres são submetidas a múltiplas exigências e estão em constante julgamento, quer pela sociedade, quer pelos grupos familiares e, até mesmo, com maior severidade, por outras mulheres.
É um estigma como se não pudéssemos pensar por nós mesmas. O exemplo de várias mulheres nas diversas áreas das ciências, no exercício das profissões, tem demostrado a competência e a excelência das atuações, com resultados positivos e inovadores.
A priori, o rol dos comportamentos habitual e socialmente autorizados para os homens é bem mais amplo do que aquele reservado às mulheres, resultando, muitas vezes, em inaceitáveis violências, nas suas diversas formas (violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial).
Na história do Judiciário, encontramos a figura da deusa grega Têmis, como representação da ordem, da equidade e da justiça. A ideia de justiça, portanto, é intrinsecamente feminina, assim como a paz e a liberdade, atributos praticados por seres humanos elevados e comprometidos com a vida, independente do gênero.
Nesse ponto, poderia enumerar vários homens que, na vida pessoal e profissional, foram e são referências de respeito às singularidades das mulheres, em toda a sua amplitude.
A mulher magistrada possui diversas habilidades e capacidades, que podem contribuir, importantemente, com a prestação da justiça. Penso que, ao incentivarmos a presença de mulheres na magistratura, estamos fortalecendo e garantindo que a aplicação do direito seja feita de forma mais humanizada, com peculiar empatia. As mulheres trazem perspectivas únicas, sensibilidades e experiências que enriquecem o processo decisório e promovem uma justiça mais inclusiva.
Tem sido um privilégio estar no exercício do cargo de terceira vice-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais nesse momento em que a sociedade brasileira se abre para a mudança de cultura, a substituição de paradigmas e a prospecção de um novo futuro para meninas, mulheres e magistradas.
Essa necessária modificação é refletida na questão do gênero, com a promoção da igualdade entre mulheres e homens, entre juízas e juízes. Por esse motivo, me sinto agraciada em poder vivenciar essa experiência nesse limiar de uma futura sociedade mais igualitária, pacífica, dialógica e restaurativa.
Como magistrada, acredito na criação de um ambiente institucional mais inclusivo e que promova oportunidades equitativas para todos e todas que integram o Tribunal de Justiça. Que o caminho por mim percorrido até aqui possa inspirar outras mulheres a não desistirem dos sonhos e a perderem o medo do julgamento alheio, não negligenciando os próprios dons e buscando, sempre, agir pautadas na ética e em favor do bem comum.
As conquistas pela busca da paridade de gênero no Poder Judiciário devem ser celebradas e enaltecidas.
É preciso implementar uma mudança cultural e a desconstrução de estereótipos: a mulher magistrada é capaz e tem muito a contribuir com a justiça. Por esse motivo, a participação feminina no Judiciário busca desconstruir os estereótipos de gênero arraigados na sociedade, promovendo uma mudança cultural ao criar normativos e ao afastar condutas e posturas que limitam o potencial das mulheres e reforçam desigualdade de oportunidades.
Acredito que, com esforço contínuo e compromisso renovado, poderemos superar os desafios e criar um ambiente verdadeiramente inclusivo e igualitário em nossa sociedade.