A prisão de três agentes públicos suspeitos de tramar a morte da então vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes representa passo significativo de uma investigação que se arrastava por seis anos. Desde o brutal assassinato, a pergunta “Quem mandou matar Marielle?” vinha acompanhada de uma sensação – constrangedora para alguns, revoltante para muitos – de que esse caso, como tantos outros, se perderia no caminho da impunidade.


Tão reveladora quanto a prisão dos suspeitos é a constatação de que foram necessários seis anos – e a entrada da Polícia Federal na investigação – para que o duplo homicídio caminhasse para o esclarecimento. É ingenuidade acreditar que o acobertamento de um assassinato – um crime político, diga-se – tenha ficado tanto tempo nas sombras sem a cumplicidade de figuras poderosas da política fluminense – e não se está falando apenas dos três encarcerados no fim de semana. As investigações em curso precisam ir a fundo a fim de desvendar por completo a teia criminosa que planejou a execução e manteve a autoria desconhecida por tantos anos. O envolvimento de um conselheiro do Tribunal de Contas Estadual, de um deputado federal e de um delegado de polícia é indício grave do grau de promiscuidade entre o poder público e o crime organizado no Rio de Janeiro. É certo que aparecerão outros ilícitos a serem investigados e combatidos.


Ontem, em Brasília, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes comentou as prisões. Considerou o episódio uma “janela de oportunidade” para tratar de temas urgentes e relevantes, como o enfrentamento coordenado do crime organizado e a reforma das polícias. “Se tendo esse tipo de notícia, do envolvimento da polícia com o crime organizado, parte da polícia, obviamente isso é algo extremamente grave. É preciso pensar numa refundação dessas instituições. É preciso tomar as medidas necessárias.”


Ao relatar as operações realizadas no domingo, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, descreveu o nível de simbiose entre criminosos e membros de instituições que deveriam, em primeiro lugar e acima de tudo, atuar em conformidade com a lei. “A gente não pode dizer que houve um único e exclusivo fato (para a morte de Marielle). Envolve a questão de milícia, de disputa de território, de regularização de loteamentos, empreendimentos. E que, naquele contexto, havia um cenário de disputa, que culminou neste bárbaro assassinato”, descreveu.


Ministro aposentado do STF e titular da Justiça no governo Lula, Ricardo Lewandowski espera desvendar outros ilícitos cometidos pelo grupo de contraventores que há anos impõe a violência e corrupção no Rio de Janeiro, com consequências nefastas para uma das cidades mais importantes do país. E destacou que as prisões constituem uma “vitória do Estado contra a criminalidade organizada”.


O trabalho da Polícia Federal na elucidação da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes significa, com efeito, uma resposta da lei a um estado de criminalidade que sufoca a vida pública do Rio de Janeiro. Sinaliza, porém, que uma ação coordenada de União, estados e municípios se faz cada vez mais necessária, em razão do poderio adquirido pelas organizações criminosas. O envolvimento cada vez mais evidente de agentes públicos no caso Marielle indica que esse processo de descontaminação será lento e difícil, mas absolutamente incontornável. 

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