A catástrofe vivida pelo povo gaúcho é algo que demanda a mobilização de todos. É preciso contar com as políticas públicas, com a aliança da sociedade organizada e com cada doação individual que podemos fazer. Ninguém deve se omitir frente a tamanha tragédia.
As imagens são fortes, mas nada, nada é tão desolador quanto a notícia dos abrigos de crianças que se perderam de seus pais. A cada dia peço com força que todas as famílias sejam reunidas e que possam se reerguer da tragédia material contando com a companhia daqueles que mais amam.
A situação do povo gaúcho me traz à reflexão o verdadeiro sentido do que é o princípio da proteção integral e da absoluta prioridade da criança. Esses princípios, prescritos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), podem parecer abstratos, mas é em momentos delicados como esse que eles devem se materializar em todas as circunstâncias.
A primeira delas, que está expressamente no ECA, é a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias. Crianças são vulneráveis e precisam ser priorizadas em situações de calamidade.
A segunda questão é colocar as nossas crianças a salvo de toda espécie de abuso. Essa é uma ferida da nossa cultura em que precisamos tocar, e a tragédia do RS nos obriga a encarar a gravidade da violência sexual contra crianças e nos lembrar de que o único culpado é o abusador. É inacreditável que a hipervulnerabilização das crianças em situações extremas tenha sido motivo de aumento dos casos de violação.
Por fim, tem que se destacar a relevância do cumprimento das regras da colocação de crianças em famílias substitutas. Tal medida será necessária caso essas crianças tenham efetivamente perdido seus pais. É muito importante que se saiba que haverá sempre uma valorização da sua família extensa, considerando os avós, tios, primos e irmãos mais velhos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê três formas de colocação de crianças em famílias substitutas: guarda de terceiros, tutela e adoção. A guarda de terceiros tem um caráter provisório e se adequa melhor quando a criança tem pais vivos, mas que não podem se dedicar aos seus cuidados diretos por ora.
O modelo mais comum de colocação em família substituta em situações como essa é a tutela. A criança passa a ser cuidada e representada por um tutor que, preferencialmente, será um parente seu – uma tia, um avô. Não há substituição da paternidade, o nome dos pais é mantido, mas a criança é representada pela figura do tutor. Essas relações dependem de decisão judicial e são fiscalizadas pelo Ministério Público.
Contudo, há situações extremas em que se pode chegar à conclusão de que a proteção da criança se dará pela adoção, em que há rompimento com os vínculos familiares originais. Trata-se do modelo mais radical e, portanto, a última opção. Mas, a depender da avaliação da rede de proteção infantil, como conselho tutelar, assistentes sociais, promotores, esse pode ser o modelo que melhor atenda aos princípios de proteção e prioridade.
Fico imaginando quantos processos, quantos laudos, quanta demanda ao Poder Judiciário no tema mais delicado que pode existir. A realidade é que há muito o que fazer, especialmente pelos direitos das crianças. Por isso, não podemos esquecer, nem podemos desanimar. É pelas crianças, que são nossa força e nosso futuro. n