O Cerrado perdeu 1,11 milhão de hectares de vegetação nativa em 2023, um aumento de 67,7% em relação a 2022 (662.186 hectares), conforme o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, divulgado pelo MapBiomas. A devastação segue a todo vapor. Em fevereiro deste ano, 3.798 km² foram desmatados, segundo o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Enquanto na Amazônia houve uma retração de 40% no primeiro trimestre deste ano, no Cerrado, o desmatamento registrou um avanço comprometedor do bioma, considerado o Berço das Águas, devido ao avanço das fronteiras agrícolas. A região mais afetada foi a de Matopiba – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, com 47% de perda de vegetação nativa, para as atividades agropecuárias, que ocupam 98% da área desmatada no Cerrado. Entre esses estados, o Piauí foi o único a reduzir o desmatamento em 2023.
O Cerrado abriga nascentes de nove das 12 principais bacias hidrográficas do país e que contribuem para cursos hídricos de países vizinhos, como o Rio do Prata, e essenciais ao agronegócio e à vida humana. A supressão da vegetação compromete a perenidade dessas fontes de água potável, dos rios e dos lagos. Os impactos dessa escalada de destruição do Cerrado chegam às terras dos povos originários. É o caso da Terra Indígena Porquinhos dos Canelas-Apãjekra, no Maranhão, que teve 2.750 hectares de vegetação devastados. O que ocorre, hoje, com o povo Canelas tende a se estender por outros territórios.
Mas a repercussão não se restringe às aldeias indígenas e quilombolas, mas afetará outras comunidades e populações urbanas. A intervenção predatória destoa de quaisquer esforços e políticas ambientais voltadas à redução da emissão de gases que contribuem para o aquecimento global e para os fenômenos climáticos extremos.
Ao participar de uma audiência sobre mudanças climáticas, no Senado Federal, a bióloga e professora da Universidade de Brasília Mercedes Bustamante, anos atrás, alertava sobre os efeitos da substituição da cobertura vegetal do Cerrado pela pecuária e pelo plantio de grãos e de cana-de-açúcar. A alteração implicaria facilitar a liberação do carbono presente no solo e aquecer o ar. Embora o bioma seja um sumidouro de carbono no período chuvoso, torna-se fonte de emissão durante a seca, principalmente devido às queimadas.
A Amazônia tem 50% do seu território protegido, o Cerrado apenas 12%. No ano passado, o governo federal propôs um pacto com os governadores para conter o desmatamento do Cerrado, que ocorre em propriedades privadas, sobre as quais não cabem intervenções do Estado. No encontro, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apresentou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado), lançado em novembro último. Diante dos recentes dados, se houve algum avanço, ele foi insuficiente para conter o desmatamento no bioma.
As catástrofes que ocorrem no Sul do país deveriam ser encaradas como alertas de que é necessário mudar a relação das atividades econômicas com o meio ambiente. O atual comportamento dos produtores rurais do Centro-Oeste ocorreu nos Pampas gaúchos. A perda de proteção da vegetação nativa está entre uma das causas da tragédia sulista. O momento exige reflexão e a adoção de um relacionamento harmonioso com o patrimônio natural, em defesa da vida.