Entre 2021 e 2022, o número de registros de armas de fogo no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) passou de 1,9 milhão para 2,3 milhões. Na comparação com 2017, quando havia 637.972 artefatos cadastrados, ocorreu um aumento de 350% em cinco anos. Com flexibilização das normas, a emissão de registro para as atividades de caçador, atirador esportivo e colecionador (CAC) chegou a 783.385, um crescimento de 466,89% no mesmo período.
Os integrantes dos CACs, com a mudança das regras pelo governo passado, tiveram ampliados os limites de aquisição de armas, de diferentes calibres, inclusive as de uso restrito das polícias Civil e Militar, e das Forças Armadas. Supõem-se que nesse processo, o número de artefatos bélicos em circulação no Brasil chegou em torno 3 milhões, uma quantidade bem maior do que a soma de todos os arsenais das forças de segurança do país.
O número exato de armas em poder de civis é quase impossível saber no país, uma vez que as organizações criminosas têm meios de contrabandear, o que foge ao controle dos órgãos públicos. A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, em entrevista ao Correio Braziliense, dos Diários Associados, garante que o número é bem maior do que a média mundial. Ela ressalta que as armas de fogo no país têm papel relevante na escalada da violência no país. Associa essa realidade ao aumento da violência contra as mulheres. A assertiva é corroborada pelo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com base em dados das Secretarias Estaduais de Segurança Pública. De acordo com o estudo, 76,5% dos homicídios foram praticados com armas de fogo.
Os segmentos defensores do liberalismo das armas argumentam que ele garante o direito do cidadão à autodefesa. Um viés distorcido, uma vez que cabe ao poder público, como determina a Constituição Federal, garantir a segurança e a integridade dos cidadãos, bem como combater quaisquer modalidades de infrações penais. Para isso, as unidades da Federação dispõem de forças policiais militares e civis. Se as políticas públicas têm se revelado insuficientes ou inadequadas, cabe aos cidadãos cobrar eficiência aos governantes.
Os feminicídios têm alcançado números absurdos. A maioria das mulheres são mortas pelo ex ou atual companheiro com armas de fogo, no ambiente doméstico, espaço distante do alcance dos agentes de segurança. De acordo com o Instituto Sou da Paz, metade dos casos ocorridos no ano passado foi com armas registradas para CACs, ou seja, artefatos legais. “Isso mostra que um cidadão de bem pode deixar de sê-lo, até praticar violência doméstica, até perder a cabeça e querer dar um tiro no vizinho”, acrescenta Carolina Ricardo.
Dez dias atrás, a Comissão de Constituição de Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, por 34 votos a 30, projeto de lei complementar que autoriza os estados e o Distrito Federal a legislarem sobre posse e porte de armas de fogo para defesa pessoal, práticas desportivas e controle de espécies exóticas invasoras (PLP 108/23). Segundo a Constituição, essas atribuições são do governo federal. Embora a adesão à proposta possa crescer dentro do Congresso, onde a bancada da bala, com o apoio de outros parlamentares de direita, possa sair vitoriosa, deputados governistas discordam do projeto, com base na Carta Magna, e avisaram que levarão a proposta ao Supremo Tribunal Federal. Entendem que a mudança é contrária à vida e serviço da violência. Para as organizações da sociedade civil, que acompanham e propõem ações de combate à violência, como Instituto Sou da Paz, Fórum de Segurança, Instituto Patrícia Galvão, fortalecer o Estatuto do Desarmamento seria um bom caminho a seguir para desarmar a sociedade e reduzir as elevadas taxas de criminalidade e morte no país.