Cristiano Oliveira

Professor Associado na Universidade Federal do Rio Grande e Head of Research na Rivool Finance

As atuais enchentes no estado do Rio Grande do Sul estão gerando um impacto significativo não apenas na produção e exportação de grãos do Brasil em 2024, mas também na economia nacional como um todo. Desde o dia 27 de abril, o estado tem sido assolado por chuvas persistentes e volumosas, com algumas áreas registrando números extraordinariamente elevados. (...) Esses eventos climáticos extremos estão desencadeando uma série de desafios para a região, com potenciais repercussões que se estendem além das fronteiras do estado, afetando os mercados nacionais e que podem abalar inclusive a estabilidade econômica do país.


As intensas chuvas resultaram no transbordamento dos principais rios do estado, além do lago Guaíba, que banha a região metropolitana. (...) Os efeitos dessas enchentes são particularmente preocupantes para a produção de grãos, pois afetam tanto a fase de colheita, que ainda não foi concluída, quanto a logística de transporte, especialmente para os produtos destinados à exportação, pois o acesso ao Porto de Rio Grande está dificultado por vários bloqueios parciais e totais nas principais rodovias que levam ao porto mais importante do estado.


As consequências das intensas chuvas são evidentes quando consideramos a cadeia de suprimentos de produtos agrícolas. Iniciando pelo arroz, que embora não seja um produto com grande volume de exportação (menos de 10% do arroz produzido no Brasil é exportado), pode enfrentar dificuldades para chegar às regiões centrais do país devido à interrupção da principal via de acesso à região sul do Rio Grande do Sul, a BR 116, que está totalmente bloqueada em vários trechos próximos ao município de Eldorado do Sul.


Ao mesmo tempo, a colheita de arroz no estado, que é o principal produtor no Brasil, enfrenta sérios desafios devido às intensas chuvas recentes, representando uma ameaça significativa para as rendas dos orizicultores. Até o momento, o estado colheu 78% da área destinada ao cultivo de arroz na safra 2023/2024, abrangendo aproximadamente 709 mil hectares de um total de 900 mil hectares plantados. No entanto, cerca de 200 mil hectares, correspondendo a 22% da área total, permanecem não colhidos, representando um potencial de perda de 1,6 milhão de toneladas do grão. A magnitude desse volume em risco é preocupante, uma vez que representam cerca de 16% da safra estimada para o país, que é de 10,5 milhões de toneladas. De modo que esses desafios combinados com os problemas logísticos geram preocupações com o abastecimento interno do país e possíveis impactos na inflação e no custo de vida das famílias brasileiras.


A colheita de milho no Rio Grande do Sul também enfrenta desafios significativos devido ao excesso de chuvas e alagamentos que têm paralisado a colheita da safra de verão (1ª safra 2023/2024) em várias regiões do estado. Até o dia 2 de maio, a colheita atingiu apenas 83% da área cultivada, conforme dados da Cogo Inteligência em Agronegócio. Com uma área total plantada de 6,7 milhões de hectares, os 27% restantes ainda não colhidos representam cerca de 220 mil hectares e aproximadamente 1,4 milhão de toneladas do grão. As perdas associadas a essa parcela não colhida ainda não podem ser estimadas com precisão, mas esse volume sob condição de risco já representa 6% da 1ª safra estimada para o país, que é de 23,3 milhões de toneladas. A situação é especialmente preocupante considerando que a colheita atingiu apenas um avanço semanal de 1 ponto percentual até o momento, de acordo com dados da Emater/RS, indicando uma paralisação quase total da atividade no estado. Esses desafios colocam em risco não apenas a safra local, mas também têm potencial para impactar o suprimento nacional de milho, com possíveis repercussões nos mercados interno e externo.


O Rio Grande do Sul, o segundo maior estado produtor de soja no Brasil, também está enfrentando dificuldades decorrentes do excesso de precipitações, que têm retardado as atividades de campo e gerado preocupações sobre a qualidade das lavouras. O acúmulo de umidade tende a elevar a acidez do óleo de soja, o que pode reduzir a oferta de subprodutos de boa qualidade, especialmente para a indústria alimentícia. Segundo dados da Conab, até o momento, 90,5% da área destinada ao cultivo de soja da safra 2023/24 já foi colhida em todo o Brasil. No entanto, na região Sul, as atividades de campo estão mais atrasadas, a Emater/RS indica que, até 2 de maio, apenas 76% da área havia sido colhida no estado gaúcho, uma porcentagem inferior aos 83% registrados em média nos últimos cinco anos.


Esses números indicam a significativa redução no ritmo de colheita na região, representando um desafio adicional para os produtores locais e aumentando as preocupações sobre o suprimento e a qualidade dos produtos derivados da soja. Estimativas precisas das perdas ainda não são possíveis devido à extensão dos danos causados pelas chuvas intensas. Contudo, se sabe que esse volume sob risco representa uma parcela significativa da safra estimada para o país, que é de 147 milhões de toneladas, correspondendo a aproximadamente 5%.


Além dos desafios enfrentados durante a colheita de soja no Rio Grande do Sul, a situação é agravada pelo impacto nas exportações devido aos problemas de acesso ao porto de Rio Grande. Cerca de metade da produção de soja do estado é destinada à exportação por meio deste porto, que, embora esteja operacional, enfrenta dificuldades devido aos bloqueios na BR 116 e na BR 386, incluindo a queda de pontes. (...) Enquanto isso, outros pontos de escoamento da produção permanecem paralisados. É o caso do porto da capital, por estar submerso. Para piorar, há também o registro de falta de combustíveis em postos, o que deve atrapalhar ou pelo menos retardar os serviços de transporte no estado.


Essa grave situação conjuntural deve prejudicar significativamente a exportação de soja, especialmente considerando que o período de maior volume de exportação ocorre entre abril e agosto. Caso o acesso ao porto de Rio Grande permaneça comprometido e o porto de Porto Alegre permaneça inativo, os produtores enfrentarão os velhos problemas de gerados pelo gargalo de armazenamento ou a necessidade de arcar com custos mais elevados de transporte e as limitações de capacidade de outros portos mais próximos, como o de Itajaí.


Em suma, diante dos desafios enfrentados pela produção e exportação de grãos no estado do Rio Grande do Sul devido às intensas chuvas e suas consequências, é essencial reconhecer que ainda é cedo para fazer previsões definitivas sobre o impacto total desses eventos. No entanto, é crucial que todos estejam atentos ao que está ocorrendo na região, pois é altamente provável que haja repercussões relevantes em termos nacionais.


Além do aspecto humanitário, é imperativo considerar o interesse econômico envolvido, que afeta não apenas os produtores locais, mas também a economia do país como um todo. Portanto, é fundamental que autoridades, instituições e a sociedade em geral estejam engajadas e prontas para oferecer apoio e buscar soluções para mitigar os impactos adversos causados pela enchente no estado. O momento demanda cooperação, solidariedade e uma abordagem proativa para enfrentar os desafios presentes e garantir a resiliência e a recuperação do setor agrícola e da economia do estado como um todo.

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