As tensões entre povos indígenas e colonizadores existem desde o início do século 16. Os primeiros a chegar foram os portugueses, seguidos de holandeses, alemães e italianos. Passados mais de 500 anos, os embates não deixam de existir, não só no Brasil, como em vários outros países latino-americanos.
“A disputa pelo território está na base desse conflito”, garante o ambientalista e escritor Ailton Krenak. Os colonizadores olharam os povos originários sem considerar a capacidade deles de viver em meio a biomas tão diversos com conhecimento e tecnologia. Ganharam terreno e, agora, mais do que nunca, se veem diante de uma crise climática que tensiona a necessidade de estabelecer uma relação mais harmoniosa com o meio ambiente, como faziam os ditos “selvagens”.
Em entrevista à jornalista Samanta Sallum, Krenak atribuiu os embates ao fato de o Brasil e outros países não terem criado um mecanismo de “integração entre os povos” (Brasília não acolhe os povos indígenas, “Correio Braziliense”). Ele é o primeiro indígena a ingressar na Academia Brasileira de Letras (ABL), conquistando a cadeira nº 5, antes ocupada pelo historiador José Murilo de Carvalho, morto em 2023; pela escritora Rachel de Queiroz, a primeira mulher a ingressar na ABL, em 1977; e pelo médico Oswaldo Cruz.
Em meio a renomados escritores, juristas e artistas, pretende inserir no acervo dos imortais a literatura e a oralidade dos povos indígenas, por meio das histórias contadas há mais de 2 mil anos pelos povos originários.
Assim como os descendentes dos colonizadores, os povos da floresta têm histórias para contar e, com elas, ensinar suas tecnologias e técnicas, conquistadas na relação cotidiana e respeitosa com o meio ambiente, longe de serem predadores da natureza.
Os saberes dos antepassados, somados aos dos atuais grandes líderes, poderiam orientar mudanças no comportamento dos brancos no relacionamento com o patrimônio natural, uma riqueza brasileira invejada por muitas nações.
Muitos grupos foram dizimados pelos adversários ao longo de vários períodos da história do Brasil. Mas a resistência dos povos originários não cedeu. As estratégias de luta mudaram.
Hoje, na maioria das aldeias indígenas, há homens e mulheres com formação universitária, em diferentes níveis e profissões. Conseguiram vencer as barreiras ao aprender como lidar com a miscigenada sociedade brasileira e, assim, construíram mecanismos de defesa e reação às agressões.
No Brasil, reconhecido como um dos maiores produtores de grãos do mundo, os indígenas foram os primeiros a implantar o sistema de agrofloresta na Amazônia, uma tecnologia que assegura o cultivo de alimentos, sem agredir as espécies nativas dos ecossistemas.
No campo da cultura e da arte, deram importantes contribuições por meio de muitos instrumentos de sopro, como as flautas nativas e apitos, os chocalhos e diferentes ritmos percussivos, como os tambores. A arte plumária e a cerâmica dos indígenas, pelas suas técnicas e beleza, têm reconhecimento internacional.
Mas há ainda muitas barreiras e desinteresse dos grandes grupos econômicos e dos sucessivos governos em reconhecer que os povos originários têm sabedoria para repassar aos grupos hegemônicos da sociedade. Os racismos étnico-racial e ambiental contribuem para essa discriminação e depreciação dos grupos indígenas.
Ninguém indaga como esses povos sobrevivem a ataques constantes há mais de cinco séculos. A maioria deles sem acesso aos avanços da medicina, da ciência e da tecnologia revolucionária que permite o encontro de pessoas numa pequena telinha do telefone ainda que estejam em diferentes continentes.
Uma integração de saberes entre os povos originários, tradicionais, e os descendentes de várias outras etnias que aqui chegaram poderia, com inspiração no que ensina Ailton Krenak, somar boas “ideias para adiar o fim do mundo”.