A cada hora, em 2019, 10 brasileiros morreram em decorrência de fenômenos ligados à ingestão de álcool – seja em um acidente de carro, seja por complicações de uma doença cardiovascular ou de um câncer, por exemplo. Foram quase 92 mil óbitos dos 2,6 milhões registrados no mundo, revela levantamento divulgado, nesta terça-feira, pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Trata-se do estudo com dados globais mais recentes, segundo a agência da ONU, e, em se tratando da realidade nacional, o documento indica que podemos estar diante de um cenário ainda mais desafiador. A tendência global é de uma leve queda nos óbitos desde 2010. Porém, de acordo com o Ministério da Saúde, o consumo excessivo de álcool, no Brasil, aumentou de 17,2% para 20,8% de 2008 a 2023.


Especificidades do país, como o aumento do consumo de álcool entre as mulheres e o desconhecimento da população sobre uma possível dependência à substância, estão entre as dificuldades para o combate à ingestão abusiva. Aliás, entre as ações estratégicas recomendadas pela OMS para reduzir “o fardo sanitário e social atribuível ao consumo do álcool” estão aumentar a sensibilização por meio de campanhas coordenadas e melhorar os sistemas de monitoramento e investigação do problema.


Quanto à desinformação, o desafio é grande. Um dos principais lemas de conscientização em campanhas nacionais contra o álcool, o “beba com moderação” não é entendido pela maioria dos brasileiros: 57%, de acordo com a Pesquisa Domiciliar sobre o Padrão de Consumo de Álcool e suas Características Sociodemográficas no Brasil, elaborada com dados de 2023.


Entre os consumidores abusivos da substância, a realidade é ainda pior: 75% acham que fazem uma ingestão moderada, e apenas 13% admitem que precisam mudar os próprios hábitos. A OMS prega que não há um padrão seguro para a substância, sendo que o consumo moderado equivale a duas doses por dia para homens e uma dose para mulheres. Uma dose corresponde a uma lata de cerveja de 350ml, uma taça de 150ml de vinho ou 45ml de destilado.


A quantidade de brasileiras passando desses limites tem aumentado: de 9,6% para 15,2% de 2008 a 2023. No caso dos homens, a taxa praticamente se manteve no período de 15 anos: de 26,1% para 27,3%. Fatores sociais e biológicos contribuem para o agravamento da ingestão entre as mulheres, segundo especialistas. Elas costumam ter, por exemplo, menor concentração de enzimas que metabolizam o álcool, fazendo com que, em pouco tempo de ingestão crônica, surjam graves prejuízos à saúde. Somam-se a isso os atrasos culturais que podem ajudar a transformar a substância em uma “válvula de escape”, como a dupla jornada, a maternidade solo e a violência doméstica.


Ao divulgar o levantamento, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, ressaltou que a construção de uma “sociedade mais saudável e equitativa” passa pela adoção “urgente de ações ousadas que reduzam as consequências negativas para a saúde e sociais do consumo de álcool e tornem o tratamento dos transtornos por uso de substâncias acessível”. Elaborar estratégias de enfrentamento focadas, de fato, na realidade da população é um passo fundamental. No caso do Brasil, as medidas devem passar, necessariamente, pelo desconhecimento disseminado de que exageramos em um comportamento ligado à boa parte das nossas relações sociais.