Ao longo de minha carreira como pesquisador e, atualmente, como diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fapemig, ouço, com frequência, menções a dois tipos de ciência: uma chamada de “básica”, ligada a uma busca pelo conhecimento “puro”; e outra aplicada, direcionada à solução de problemas concretos da sociedade. De fato, disseminou-se uma distinção conceitual entre as duas, e até mesmo a insinuação de que uma seria oposta à outra. Acredito, porém, que não se trata de uma dicotomia, mas, sim, de interdependência.
Foi com esse entendimento que Marie Curie, única pesquisadora a ganhar dois prêmios Nobel – um em Física e outro em Química – conduzia suas pesquisas. Em 1907, ela foi reconhecida por demonstrar a existência da radioatividade e, em 1911, foi laureada por ter descoberto e investigado dois novos elementos: o rádio e o polônio. Esse arcabouço foi fundamental para a criação da radiografia e, mais tarde, para a idealização de um radiógrafo móvel criado pela própria cientista e usado em cerca de 1 milhão de soldados durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Ou seja, a Ciência, com “C” maiúsculo, com ética e investimentos, prestou a sua função.
Com essa mentalidade é que Minas Gerais idealizou o seu primeiro Centro de Referência de Análise de Qualidade de Cachaça (CRAQC), sediado na Universidade Federal de Lavras (Ufla). A iniciativa recebeu mais de R$ 3,7 milhões do governo de Minas, por meio da Fapemig, para sua estruturação. Quando estiver em pleno funcionamento, será capaz de prestar assistência não só aos produtores de cachaça da região de Lavras, mas de todo o estado e do Brasil.
Isso só foi possível porque houve a percepção de que o estado com mais cachaçarias do país, 550 unidades, de acordo com o Instituto Mineiro de Agropecuária, precisava tratar esse produto com a grandeza que ele merece. Além do impacto econômico, a cachaça é um produto relacionado à identidade cultural do mineiro. Por isso, não basta oferecer diversas variedades da bebida, é preciso ofertá-la com alto controle de qualidade e segurança.
O trabalho do Centro de Referência é um perfeito exemplo de como a Ciência deve ser trabalhada para o fortalecimento de toda a sociedade e não apenas de alguns atores que fazem parte da cadeia. Em seu complexo de laboratórios, serão desenvolvidas as análises e pesquisas referentes à origem e à formação dos principais congêneres e contaminantes que podem afetar a bebida. Com isso, o produto terá certificação e rastreabilidade, aumentando a segurança para comercialização do produto e, consequentemente, para seu consumo. Esse processo agrega valor a um dos produtos símbolo de Minas e nos coloca como referência em pesquisa e produção de cachaça no país.
Por isso reforço que essa separação na Ciência não é produtiva, pois nos faz preterir o conhecimento básico ao aplicado em determinadas circunstâncias, inclusive quando o assunto é fomento. Por outro lado, quando adotamos um entendimento globalizante, percebemos que a ciência se retroalimenta o tempo todo, buscando argumentos fundamentais e também pensando em utilidade pública. Adotemos a “Ciência” única, inteira e forte.