A democracia é um valor inegociável. A afirmativa é inquestionável para as sociedades depois do pós-guerras, mas cada vez mais o modelo democrático como conhecemos até hoje se vê ameaçado, com tentativas populistas e golpistas de perpetuação no poder ao redor do planeta. A essas iniciativas é preciso que as instituições combatam com o vigor necessário, para que nações não se vejam envoltas em regimes totalitários. Ao tomar posse no comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra Cármen Lúcia prometeu combater “a mentira digital” contras as eleições, dando sequência ao que fez o ministro Alexandre de Moraes como presidente da corte eleitoral, a quem ela exaltou. À frente do TSE nos próximos dois anos e responsável por conduzir as eleições municipais, Cármen Lúcia promete não dar trégua ao que considera ser o que corrói a democracia.


Em uma sociedade na qual a imprensa tem suas regras, não há por que as redes sociais, que têm por trás de si companhias gigantes e transnacionais, não terem regras e que essas sejam feitas com ampla discussão. Mas sempre no sentido de se preservar a democracia e seus valores, lembrando que o principal deles é o debate entre contraditórios, com participação de toda a sociedade. E isso deve ser sempre balizado pela liberdade de expressão, independentemente de credo, gênero, classe social e etnia. E aqui cabe pontuar que isso não se confunde com ofensas e agressões ao Estado Democratico de Direito ou ameaças a instituições democráticas.


Em sua posse, Cármen Lúcia descreveu a forma como as fake news e as mentiras buscam derrubar as democracias mundo afora. “A mentira amolece a humanidade porque planta o medo para colher a ditadura”, disse a presidente do TSE. E aqui é preciso atentar para um aspecto que deve ser rechaçado sempre, sob o risco de a omissão levar ao agravamento da possibilidade de romper-se valores democráticos: a ameaça. A política é feita de diálogo entre diferentes, e muitas vezes divergentes, e não de inimigos que precisam se anular. Há que se cuidar para que fatos que se tornam corriqueiros sejam combatidos com mais vigor.


Quando o então candidato Jair Bolsonaro disse no Acre, em meados de julho de 2018, com uma arma nas mãos, que era preciso “fuzilar a petralhada”, estava declarando um partido político como inimigo a ser combatido, desenhando assim toda uma forma de enxergar a política que vem se mostrando cada vez mais forte. Atentados a bomba perto de aeroportos em horário de movimento, ainda que frustrados, e invasão e depredação de prédios públicos não podem ser relativizados e considerados manifestação de opinião.


É preciso garantir que atitudes dessa natureza não se repitam e não sejam naturalizadas, como atitude que uma suplente de deputada estadual adotou, ao afirmar que tem como objetivo do seu mandato “acabar com a esquerda” na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). É apenas uma fala, mas que carrega o mesmo conceito de adversários convertidos em inimigos. E, para mostrar a importância de se preservar os valores democráticos, cabe lembrar um trecho do poema “No caminho, com Maiakóvski", de Eduardo Alves da Costa: “Até que um dia,/ o mais frágil deles/ entra sozinho em nossa casa,/ rouba-nos a luz, e,/ conhecendo nosso medo,/ arranca-nos a voz da garganta./ E já não podemos dizer nada”. É preciso que não se normalizem os arroubos antidemocráticos, praticado muitas vezes sob o manto da liberdade de expressão.

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